quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Implicações da reprovação escolar

Sequelas sociais

Nossa sociedade é profundamente desigual. Há poucos que ostentam riquezas indecentes e muitos que não conseguem sair do atoleiro da miséria.

Mas a nossa sociedade não é desigual apenas economicamente. Ela padece de disparidades crônicas diversas e aprendeu a se viciar em carências aparentemente incontornáveis.

Socialmente somos muito desiguais na propriedade dos bens, na renda necessária à subsistência, na qualificação para o trabalho, no domínio dos conhecimentos e na conquista das habilidades para produzir. Também somos desiguais na relação com o Estado, na medida em que a maioria é por ele totalmente desassistida.

Esse quadro de condicionantes das nossas desigualdades vem se reproduzindo historicamente. Muitos que foram escravos, que adornaram a Casa Grande com sangue e suor, ainda hoje vegetam na sarjeta. Libertos das correntes, mas presos às necessidades básicas, milhões de brasileiros continuarão por um bom tempo sendo queimados como carvão na fogueira do capitalismo selvagem das nossas ‘elites do atraso’.

Indolente a essa circunstância histórica, nossa escola jamais deu importância ao que tem ocorrido do lado de lá de seus muros. A miséria econômica, social e a indigência política que bamboleiam nas ruas e favelas do Brasil não fazem parte de seus currículos. Nem tomam tempo das descoradas discussões que por ínfimas vezes são ensaiadas.

Nesse contexto, dizer que a escola pode muito, não é razoável, mas dizer que ela não pode nada, é contraproducente. A escola em todas as sociedades ditas complexas tem se tornado indispensável. Ela tem sido parte do clarear caminho para o domínio dos conhecimentos e um abrir de portas para a conquista de habilidades para produzir, além de ser inexoravelmente ambiente de socialização. Por isso ela tem poder.

Mas a escola, na altura de sua importância, não aceita inquietar-se, não acalenta sonhos, nem cobiças. Contida por sua miséria intelectual e política, ela se deixa levar por interferências inadequadas e se tornou incapaz de lidar com problemas que ela mesma cria. Sequer percebe, por exemplo, que algumas de suas ações ajudam a alimentar a miséria social de nosso País.

Reprovar é uma atitude que diz respeito quase integralmente à Escola, pois ela domina os métodos, recursos e instrumentos pedagógicos e, quando não cria, se mantém inerte diante das condições que propiciam a reprovação. Este indicador educacional, portanto, embora indiretamente, por isso “se desmancha no ar”, ajuda a engordar o encarceramento, o subemprego, a informalidade que contribuem com a manutenção da pobreza social.

Um dado que chama atenção e deveria servir para afogar as dúvidas e inquietar os indiferentes sobre os efeitos da reprovação são os mais de 70% dos encarcerados, de quase 1.000.000 (um milhão), terem sido identificados, em pesquisa recente, com o Ensino Fundamental incompleto. É um percentual que joga luz sobre como a escola contribui para a engordar parte da “sociedade dos páreas” de nosso País. É um indicador importante porque revela, com boa margem de certeza, efeitos da reprovação, na mesma medida em que a expulsão da escola também tenha ocorrido, inclusive, como possível consequência daquela.

O encarceramento de pessoas com o grau de formação apontado pela pesquisa deveria ser um ótimo indicador para, no mínimo, provocar algum debate nas escolas sobre efeitos da reprovação ou, pelo menos, jogar luz sobre a necessidade de politizar o que a própria escola produz.

Nonato Menezes

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