sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Educação e nova constituição

Fontes: Rebelião

Por Juan González López
rebelion.org/

A deliberação popular, se for democrática, não é um processo curto, ordenado ou homogéneo, como a chamada solução institucional quis impor. A deliberação popular funciona de diversas maneiras e também deve ser permanente, porque deve incluir progressivamente cada vez mais grupos sociais. Isto é impulsionado pela mobilização, um dos poucos meios que permite sacudir a consciência social da sonolência política causada por tanta democracia delegativa.

No campo da educação, o triunfo da nova proposta colocaria o voucher (cupom) como forma de financiamento no nível constitucional nível (garantir financiamento por aluno em estabelecimentos estatais e privados, art 23.c, “igualdade de tratamento” (o Estado destinará recursos a instituições estatais e privadas, sem qualquer discriminação, art 23.f), e total autonomia aos apoiadores (em nenhum caso tal atribuição poderá condicionar a liberdade de ensino, art. 23.f). Estas, entre outras alterações, consumariam o controle que os privados já têm sobre o sistema de ensino público. A nova proposta também nada diz sobre o propósito de a educação pública, para além do necessário livre desenvolvimento das pessoas, que a constituição de 1980 estabeleceu, como “norte único” da educação, há mais de 43 anos. 1

O processo está encerrado. Nada a reclamar. Isto é democracia.

Este retrocesso é impressionante, depois de todo o debate público que ocorreu desde que os estudantes do ensino médio saíram às ruas em 2006. Após o longo silêncio dos anos 80 e 90, tornou-se natural que a educação fosse apenas uma ferramenta para a inclusão, ou competência individual, isto é, servindo prioritariamente ao desenvolvimento da pessoa, sem qualquer outro significado. A Revolução dos Pinguins veio abalar a consciência coletiva nesse sentido.

Desde 2006, têm havido muitas palestras, seminários e até conferências sobre como a educação pública deve ser também uma ferramenta para a construção da sociedade em que queremos viver. Houve aumento de programas de rádio e TV, colunas em jornais e mídias online que informavam sobre os significados que a educação deveria ter para todos. A partir de 2011 (quando muito mais pessoas saíram às ruas), proliferaram propostas sobre “a educação que queremos”, de professores, estudantes, famílias e diferentes organizações, corporações, organizações da sociedade civil, ONGs, até mesmo as. ” teve que entrar no debate.

Durante a revolta popular de 2019/2020, todas estas propostas alimentaram a intensa discussão que ocorreu nas organizações sociais, nas assembleias territoriais, nos conselhos, nas escolas, até no seio das famílias, tudo isto no “pico” da mobilização social. Ou seja, durante 14 anos, uma parte importante da sociedade chilena, abalada pela mobilização social, considerou que a educação pública não deveria ser apenas democrática e inclusiva, mas também não sexista, inter/endocultural, orientada para o cuidado do meio ambiente, entre outros propósitos coletivos, que, a partir de um novo senso comum, questionavam o caráter neoliberal do sistema educacional. Inclusive, em alguns espaços, o público também foi ressignificado como comunidade e começou a emergir como um significado histórico e culturalmente situado para a educação pública no Chile. A pandemia e as formas e termos da democracia neoliberal travaram este processo.

A deliberação popular, se for democrática, não é um processo curto, ordenado ou homogéneo, como a chamada solução institucional quis impor. A deliberação popular funciona de diversas maneiras e também deve ser permanente, porque deve incluir progressivamente cada vez mais grupos sociais. Isto é impulsionado pela mobilização, um dos poucos meios que permite sacudir a consciência social da sonolência política causada por tanta democracia delegativa.

As próximas eleições mostram o absurdo a que nos leva a democracia neoliberal. Teríamos que ir votar para continuar com a constituição mais neoliberal da região, porque poderia haver uma pior e não há mais discussão.

Diante deste absurdo, talvez a única coisa que hoje faça sentido seria retomar o “outro processo”, aquele que esta eleição, para além do resultado, quer encerrar.

1 Outras constituições recentemente promulgadas na região dizem algo sobre os propósitos colectivos que a educação pode ter. Por exemplo, a constituição boliviana (2009) fala da formação de “uma consciência social crítica na vida e para a vida”, ou da “promoção da compreensão e enriquecimento intercultural dentro do Estado”, entre outros aspectos. La Ecuatoriana (2008) destaca o “respeito pelos direitos humanos”, “o meio ambiente” e a “democracia”, e acrescenta que “a educação responderá ao interesse público e não estará a serviço dos interesses individuais e corporativos”.

Juan González López é membro do Centro Alerta/OPECH-Fórum pelo Direito à Educação Pública

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