segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Os resultados do PISA e o ensino básico no Brasil


(Foto: Reuters)

Será preciso reformar muito o “Novo Ensino Médio”, não com pequenas alterações ou recuos na Lei 13.417/2017, mas com mudanças profundas

Cândido Vaccarezza
www.brasil247.com/

Há pouco mais de um mês vivenciamos a discussão sobre o resultado do PISA, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, em tradução direta do nome em inglês. Emitiram opiniões o Ministro da Educação, vários movimentos de educação, a imprensa falada, escrita e televisada, políticos de diversas orientações ideológicas e os movimentos de internet esquentaram o debate. Eu, que acho que a educação é um passaporte para o futuro, fiquei muito animado… Vamos encontrar, enfim, um caminho para a educação do nosso país. Em pouco tempo, ninguém fala mais no assunto PISA; talvez, com mais brevidade do que quando o General Junot se instalou em Portugal há 215 anos e o povo, ao ser perguntado pelas novidades, respondia: “está tudo como dantes no quartel de Abrantes”! Só que lá foi diferente, o ambiente logo modificou-se com a derrota de Napoleão e a volta de Dom João VI para Portugal. Aqui, o Brasil aderiu ao PISA no ano 2000 e, salvo uma melhora discretíssima no segundo mandato do presidente Lula, o quadro foi e é muito grave. Entre os 81 países que participam do PISA, o Brasil ficou em 52° lugar, em leitura, com 410 pontos para uma média mundial de 476; em ciências, o Brasil ficou em 62° lugar, obteve 403 pontos para uma média de 485; e em matemática, o Brasil ficou em 65° lugar com 379 pontos para uma média de 472. O PISA é um programa da OCDE para avaliar habilidades e competências esperadas para estudantes, em torno dos 15 anos de idade, ao término do ensino fundamental. Na avaliação divulgada este ano, o Brasil, na média, ficou em 53º lugar entre os 81 países, atrás, na América Latina, de México, Uruguai, Chile e superou a Colômbia e a Argentina. Comparemos o PIB do Brasil com o dos demais países aderentes ao PISA, é uma grande contradição, pois estamos entre as 10 maiores economias do mundo. 55% dos estudantes brasileiros ficaram abaixo do nível 2 e apenas 1% atingiu o nível 5, o nível superior. Estes resultados não representam nenhum déficit cognitivo ou de intelectual dos brasileiros, mas refletem a tragédia que é nosso ensino básico. Mesmo que registremos que algumas escolas, provavelmente algumas particulares de alto padrão e preço, que somente uma ínfima minoria pode frequentar, tenha um nível de ensino médio adequado, isto também faz parte da nossa tragédia, não falo somente do ponto de vista social, que mostra as entranhas da elevada concentração de renda em nosso país, falo principalmente do ponto de vista da vocação de grande nação que marca a nossa história; nenhum país deu um salto no seu padrão de desenvolvimento sem educação de qualidade para o seu povo. O Brasil merece e precisa de uma reforma séria do ensino Básico. Muitos criticam a avaliação do PISA, por ser um programa da OCDE para o mundo, porém, esta é a principal avaliação internacional comparativa de educação que temos. O Pisa não é um exame conteudista, poucas questões exigem que o candidato tenha memorizado fórmulas ou teorias. O objetivo do exame é avaliar a capacidade dos alunos aplicarem o conhecimento obtido na sala de aula, na vida real, em diferentes cenários e contextos sociais, tanto dentro como fora da escola. Independentemente da validação ou não do PISA, é consenso, e o último censo comprova, que temos um número absurdo de analfabetos e de analfabetos funcionais, inclusive, do analfabetismo infantil tratado por mim em um artigo aqui no Brasil 247. Segundo o IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada em 7 de junho deste ano, o Brasil tem 9,6 milhões de analfabetos; não podemos afirmar com precisão o número de analfabetos funcionais, pois poderemos partir de diferentes parâmetros; infelizmente, em nosso país, se o cidadão assina o nome e faz operação matemática simples, pode não ser considerado analfabeto. O importante é afirmarmos que o que está em questão, não é melhorarmos as notas no Pisa, mas sim melhorarmos o padrão da educação no Brasil e para isto, será preciso uma reforma profunda do ensino básico. 5 em vez 4 horas diárias no ensino médio e uma pequena bolsa para tentar impedir a evasão escolar, não pode ser considerado grande avanço, muito menos reforma do ensino básico. Será preciso reformar muito o “Novo Ensino Médio”, não com pequenas alterações ou recuos na Lei 13.417/2017, mas com mudanças profundas. Destaco alguns itens que não poderão faltar neste processo de reforma do ensino médio: a) A Lei 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, já cria as condições para a constituição de um Sistema Único Nacional de Educação, ou melhor este Sistema está criado em lei e é subutilizado. É preciso estabelecer diretriz pedagógica mínima, comum para todo o Brasil, incluindo as diversidades regionais e microrregionais, articuladas com a modernidade tecnológica da nova era que estamos vivendo, com inteligência artificial, tecnologia de informação, biotecnologia e novas formas de produção e comunicação. A maioria das escolas no Brasil, infelizmente, não tem wi-fi e uma parte não tem nem rede de internet. b) Processo vigoroso de valorização dos professores, com formação, requalificação e valorização salarial para atrair as pessoas mais preparadas para a profissão; advogo um processo contrário ao que vem acontecendo, desmantelamento do papel do professor, que na linguagem popular, “tem de se virar nos 30” para pagar a conta da luz no final do mês. Acho que o profissional da educação deve ser uma carreira de Estado, bem preparado e bem remunerado. c) O Ensino básico, fundamental e médio, deve ser ensino em tempo integral, público e superior ao ensino ministrado nas escolas privadas. É assim que os países desenvolvidos do mundo constituem os seus sistemas educacionais. Será preciso primeiro o Governo Federal criar um Fundo, talvez com o lucro do petróleo equatorial, para financiar as Prefeituras e Estados que reduzirem o número de alunos por sala de aula, estabelecerem ensino em tempo integral e qualificarem seus professores. É claro que este caminho é mais difícil, existem caminhos mais fáceis e que trazem sucesso/aprovação imediata, como fazer faculdades as tuias sem a mínima condição de funcionar com a complexidade universitária ou desenvolver projetos sociais, que mesmo atendendo a parte de segmentos sociais mais vulneráveis ou em evidência, não atende à globalidade da questão da educação. Vou encerrar com uma citação bíblica, sem objetivo religioso, mesmo porque a bíblia é referência apenas para as religiões cristãs, mas a frase sintetiza a disjuntiva dos caminhos a escolher para a reforma educacional: “Entrem pela porta estreita! Porque larga é a porta e espaçoso é o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela. Estreita é a porta e apertado é o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que o encontram” (Mateus 7:13-14).



Dr. Cândido Vaccarezza é um médico e político formado pela Universidade Federal da Bahia e atualmente mora em São Paulo. Ele tem especializações em ginecologia e obstetrícia, saúde pública e saúde coletiva. Durante a pandemia, foi diretor do Hospital Ignácio P Gouveia, referência para o tratamento de Covid na Zona Leste de São Paulo. Como político, ele participou da luta pela democracia no Brasil na década de 1970 e foi deputado estadual e federal pelo PT. Além disso, ele também foi líder na Câmara do Governo Lula e Dilma e secretário de esporte e cultura em Mauá. Reg

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A universidade operacional

Por MARILENA CHAUI* aterraeredonda.com.br/ A universidade operacional, em termos universitários, é a expressão mais alta do neoliberalismo 1...