domingo, 3 de março de 2024

A degradação do ensino superior nos EUA


Michael Hudson [*]

Encontrei no New York Times uma história [Sharon Otterman, Facing Budget Troubles, Some Colleges Look to Sell the President’s House] que, na minha opinião, resume a degradação do ensino superior nos Estados Unidos. Trata-se da New School, onde lecionei na faculdade de pós-graduação de 1969 a 1972 (quando ainda se chamava New School for Social Research).

“A New School quer vender a residência do presidente, em Manhattan, por 20 milhões de dólares. Outras pequenas faculdades voltam-se para os seus imóveis para ajudá-los a superar problemas orçamentais. (…) A escola, estimou um défice de 52 milhões de dólares para o ano fiscal de 2024, estando a pedir 20 milhões pelo imóvel, procurando estabilizar as finanças. A venda ocorre num momento de número de matrículas instável, inflação e outras situações que ameaçam faculdades menores em todo o país. Para se manterem financeiramente procuram vender ativos imobiliários, reforçando os balanços.

O edifício da New School, é especialmente valioso. Também se tornou um símbolo do exagero administrativo e arrogância de alguns, numa instituição historicamente progressista e centenária com cerca de 10 mil alunos. Quase 90% do corpo docente da New School são agora professores adjuntos em tempo parcial, alguns ganhando apenas cerca de 6 mil dólares por curso, disseram líderes sindicais. Dwight A. McBride, que renunciou ao cargo de presidente da universidade no verão passado, ganhava um total de 1,4 milhão por ano, de acordo com formulários fiscais federais.

"Não podemos nem entender como seria viver numa casa de 20 milhões", disse Annie Larson, líder sindical, estilista de vestuário e professora adjunta da Parsons School of Design, a maior das várias faculdades da New School. "A disparidade é incrível."

Quando a notícia de que a casa seria colocada no mercado foi anunciada numa reunião do corpo docente, os que estavam na sala bateram palmas, disse Sanjay Reddy, presidente de economia da universidade. Ele analisou de forma independente as finanças da escola e comemorou a decisão.

Foi uma mudança considerável em relação ao rancor que irrompeu durante uma greve extenuante de professores em tempo parcial por melhores salários em 2022, que fechou as aulas por três semanas, e a raiva que acompanhou a decisão da escola de demitir 122 administrativos e outros funcionários em outubro de 2020. "É principalmente simbólico", disse Reddy sobre a venda da casa, "mas acho que ainda é muito, muito significativo porque cada milhão conta”.

Em Nova York, grandes universidades de pesquisa com grandes doações, como a Universidade de Nova York e a de Columbia, têm aumentado as suas carteiras imobiliárias e transformado blocos e bairros. Mas, quando o número de alunos caiu na esteira da pandemia e quando a New School e outras instituições menos ricas lutam por estudantes, mais se têm voltado para vendas de imóveis como uma forma de preencher lacunas orçamentais e de doações.

Um novo e elegante prédio de apartamentos de arrendamento de 34 andares foi inaugurado recentemente num antigo campo de jogos no campus de Brooklyn da Universidade de Long Island, construído através de um acordo com uma imobiliária. O St. Francis College, em Brooklyn, vendeu o seu campus por 160 milhões em 2023 e mudou-se para novos bairros no centro do Brooklyn. Embora a City University of New York (CUNY) ainda possua centenas de edifícios, também decidiu recentemente vender as casas de alguns de seus presidentes de faculdade. No ano passado, vendeu a casa do presidente do College of Staten Island por 1,3 milhão e, em 2022, vendeu um condomínio usado pelo presidente do Medgar Evers College por 2,3 milhões. Agora está no processo de venda de casas semelhantes no Queens College e no Lehman College. Uma porta-voz da CUNY, Kathleen Lucadamo, disse que as vendas "foram impulsionadas pela decisão da CUNY de desistir de habitações para presidentes como parte do pacote do seu recrutamento".

(...)

A New School for Social Research foi fundada em 1919 por um pequeno grupo de proeminentes intelectuais e educadores americanos que queriam estudar os problemas sociais do século XX numa perspetiva diferente do que era possível nas universidades tradicionais. Desde então, a escola cresceu para incluir as várias faculdades, incluindo a Parsons School of Design, sua faculdade mais bem sucedida financeiramente, a Faculdade de Artes Cênicas e a Eugene Lang College of Liberal Arts. Sem uma grande dotação, a New School é fortemente dependente da receita das mensalidades. Localizada num dos bairros mais caros do país, no ano letivo passado, cobrava um custo anual estimado de 85 mil dólares, para um estudante de graduação em tempo integral que more no campus, de acordo com o Centro Nacional de Estatísticas da Educação. Quase todos os estudantes recebem algum tipo de ajuda financeira. [NT]

Para manter as salas de aula cheias, a New School tem sido menos seletiva do que alguns de seus vizinhos mais conhecidos, admitindo 57% dos que se inscreveram para o outono de 2022, em comparação com 12% em Nova York, mostram as estatísticas. Mais de um terço de seus alunos em 2022 eram internacionais. Metade dos alunos de graduação que ingressaram na escola em 2018 não se formou em quatro anos, mostram suas estatísticas.

A universidade também tem elevadas despesas em pagamentos de dívidas, de mais de 300 milhões de dólares para construir um novo edifício emblemático na esquina da Quinta Avenida com a 14th Street. A escola tinha grandes esperanças de que geraria uma receita significativa com os dormitórios dos alunos, mas isso não correspondeu ao planeado.

Vários estudantes entrevistados na escola disseram que estavam frustrados com a forma como a universidade parecia administrar seu dinheiro. Apesar do novo prédio sofisticado e de um custo de cerca de 50 mil dólares para ensino, os alunos eram solicitados a pagar por coisas como suprimentos de arte e ingressos para exibições em aulas de crítica musical. Eles disseram que alguns dormitórios tinham problemas com umidade e prédios de salas de aula precisavam de obras. Muitos expressavam simpatia pelos professores que tinham entrado em greve.

McBride, que agora é professor da Universidade de Washington em St. Louis, foi substituído neste verão por uma presidente interina, Donna Shalala, ex-funcionária do gabinete de Clinton. Shalala demonstrou interesse em controlar custos que não eram considerados antes, incluindo vender a casa em que mora.

Procurando um novo presidente, a escola procura alguém com "perspicácia financeira" e "um histórico de sucesso sustentado na angariação de fundos", de acordo com o anúncio de emprego público. A faixa salarial é de 750 mil a 1,1 milhão de dólares”.

Quando eu estava na New School, todos os professores de economia (e creio que os outros) trabalhavam em período integral. Mas, como as universidades aumentaram as despesas administrativas burocráticas, a redução de custos forçou-as a mudar para professores de meio período – “Professores Visitantes”, como são chamados. O artigo do NYT relata que: “Quase 90% do corpo docente da New School são professores adjuntos de meio período, alguns ganhando apenas 6 mil dólares por curso, segundo líderes sindicais. Dwight A. McBride, que renunciou ao cargo de reitor da universidade no verão passado, ganhava um total de US$1,4 milhão por ano”.

Eu fiz pós-graduação na Universidade de Nova York, a 800 metros de distância. Devo dizer que, naquela época, a maioria dos meus professores já trabalhava em tempo parcial. Mas, na verdade, eles eram os melhores, porque todos tinham empregos no mundo das realidades – nas Nações Unidas, no National Bureau for Economic Research e outros relacionados com a economia real.

De longe, os piores professores eram os de tempo integral, ou seja, acadêmicos irrealistas, já que eu estava no departamento de economia. Os professores de tempo integral eram irremediavelmente incompetentes em teoria monetária e teoria comercial. Os alunos eram penalizados por levantarem pontos do mundo real para criticar a ciência econômica de baixa qualidade que já estava sendo ensinada em meados da década de 1960. Tirei um C ou C- em teoria monetária por criticar a teoria dos fundos emprestáveis e tive de refazer minhas provas de doutoramento por criticar a teoria da troca de dinheiro de Carl Menger. Disseram-me: “Em quem vai você acreditar: na sua própria experiência e história ou no que dizem os livros didáticos e os professores?”

A diferença é que os “professores visitantes” de hoje não são profissionais experientes que lecionam porque gostam. Eles são recém-formados com doutoramento – tentando encontrar os poucos empregos de tempo integral disponíveis em qualquer universidade. Portanto, os alunos têm o pior dos dois mundos: lixo do neoliberalismo ortodoxo e professores de meio período tentando apenas sobreviver. Há notícias de que alguns professores dos EUA dormem nos seus carros porque não têm dinheiro para alugar apartamentos.

O estudo do New York Times concentrou-se na tentativa de a New School superar seu défice orçamental vendendo por 20 milhões de dólares a casa usada pelo presidente. O que equivale à metade do défice anual de 40 milhões. Isto traz à tona outra experiência que tive. Em 1970 ou 1971, eu recebia 13 mil dólares por ano. Não era muito, então o reitor da Graduate School deu-me um contrato para calcular quanto a New School ganharia com a fusão com a Parsons School of Design, do outro lado da rua. Expliquei que a fusão era basicamente um negócio imobiliário e disse que a New School se sairia muito bem, porque a propriedade ficaria isenta de impostos. E foi exatamente isso que aconteceu.

Isto se deve ao facto de que parte do processo de degradação deve-se a que as universidades de Nova York basicamente tornaram-se empresas imobiliárias que ministram aulas em algumas de suas propriedades para obter isenção de impostos sobre o restante. A Universidade de Columbia era proprietária do terreno sob o Rockefeller Center antes de vendê-lo aos japoneses num negócio muito caro.

A Universidade de Nova York é proprietária da maior parte das propriedades em seu redor – que usou para destruir a vida cultural que caracterizava o Greenwich Village e a 8th Street, aumentando os alugueres para expulsar as livrarias, as lojas de discos, tudo o que fosse cultural e substituí-las por lojas e quaisquer grandes empresas que pudessem satisfazer as elevadas exigências de aluguer.

Não havia nenhuma ideia de a universidade tentar subsidiar o tipo de loja que realmente melhoraria a vida no seu bairro. Hoje, quarteirão após quarteirão, lojas vazias e fechadas com tábuas é o que existe no bairro da NYU. Com a de Columbia é a mesma coisa.

As universidades dos EUA mantiveram seu pessoal docente estagnado, ao mesmo tempo que aumentaram os burocratas. Esses membros da PMC (Professional Managerial Class, classe gestora profissional) recebem mais na proporção em que podem pagar menos aos que de facto proporcionam conteúdos. Disseram-me que isto é verdadeiro tanto em Harvard quanto em Nova York e em outros lugares. É um fenômeno que ocorre em toda a economia. E o mesmo parece ser o caso em Londres, de acordo com meu amigo Steve Keen.

Mesmo assim, a New School teve de demitir 122 funcionários em outubro de 2020 e, em 2022, houve uma greve de assistentes. O que se tornou um fenômeno nacional.

O PIB relata tudo isto como um aumento de produtividade – ou seja, o que deveria ser chamado Custo Nacional Bruto e não “produto nacional”. O artigo do NYT relata que a New Scool, localizada num dos bairros mais caros do país, cobra o preço mais alto das escolas americanas, com “um custo anual total estimado em 85 mil dólares no último ano letivo a um estudante a graduar-se em tempo integral e vivendo no campus”.

É desta forma que o presidente Biden diz que a economia dos EUA está a crescer!

22/Fevereiro/2024

[NT] A dívida estudantil atingiu 1,73 milhão de milhões de dólares (38,9 mil dólares por estudante). Valor que não poderá ser pago com os ordenados e precariedade vigente. As consequências mais evidentes são o recurso à prestação de serviços sexuais. Ver Acerca do declínio imperialista.

 

[*] Michel Hudson é um dos poucos grandes economistas da atualidade – mas é totalmente silenciado pelo jornalismo econômico corporativo. No presente texto ele aponta outro aspeto da degradação a que as iniciativas liberais e reformistas conduzem as sociedades, neste caso as universidades. Como diz Hudson, grande parte do crescimento do PIB sob o liberalismo “deveria ser chamado Custo Nacional Bruto, e não Produto Nacional Bruto”. [NT]
Este artigo encontra-se em resistir.info

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