quarta-feira, 26 de março de 2025

Precariedade docente: Remuneração e racismo estrutural II

Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil

Esse texto trata sobre os docentes de Geografia que lecionaram no Ensino Médio entre os anos de 2015 e 2022, tomando como base de dados para a exposição o Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) e, em alguns momentos, números do Censo Escolar da Educação Básica, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)

Rodrigo Coutinho Andrade

O presente artigo dá continuidade ao que fora publicado no mês de fevereiro neste periódico. Nesta ocasião, o exame trata dos docentes de Geografia que lecionaram no Ensino Médio entre 2015 e 2022, tomando como base de dados para a exposição o Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) e, em alguns momentos, números do Censo Escolar da Educação Básica, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Vamos nos furtar, no momento, das premissas já abordadas, caminhando diretamente para o ‘objeto’ de estudo em si, mas utilizaremos elementos comparativos com o apresentado na ocasião mencionada acima.

Indo direto ao tema, podemos afirmar por meio do RAIS que ocorreu, entre 2015 e 2022, a retração quantitativa dos-as docentes de Geografia no Ensino Médio, com decréscimo contínuo entre 2016 e 2021 – somente em 2022 ocorreu variação positiva significativa, como entre 2015 e 2016, se aproximando ao total especificado para 2018.

Tabela 1 – Total-variação dos professores-as de Geografia do Ensino Médio – 2015-2022.
Fonte: MTE (2024).

No universo de professores-as de Geografia que atuaram no Ensino Médio no Brasil dentre 2015 e 2022, observa-se a superação quantitativa do gênero masculino a partir de 2020, indissociável da retração das docentes no marco histórico adotado em 17,23%, enquanto ocorreu a expansão dos professores em 8,51%. No mesmo “passo” em que as professoras saíram da última etapa da Educação Básica de modo linear e contínuo entre 2015 e 2021, ocorreu significativa expansão dos professores entre 2021 e 2022 (MTE, 2024).

Entre as mulheres, o debacle mais considerável foi das não-negras em 38,45%, sentido também entre os homens não-negros em 17,04%, enquanto as mulheres negras-pardas a principal oscilação negativa foi entre 2016-2017 e 2019-2020, e a única ascensão total se situou nos homens negros-pardos em 23,26%. Se nos Anos Finais do Ensino Fundamental a presença das docentes de Geografia é majoritária em 55,07%, no Ensino Médio o mesmo fenômeno não ocorre – proporção de 48,93% (MTE, 2024). A primeira conclusão óbvia é a transição de gêneros ao longo dos anos do Ensino Médio – ocorrendo em nosso caso a partir de 2020 –, sendo mais sentido no Ensino Superior no mesmo campo científico – 58,43% (MTE, 2024).

Tabela 2 – Quantitativo de docentes de Geografia que lecionaram no Ensino Médio de acordo com o gênero e a raça – 2015-2022.

Fonte: MTE (2024).

A composição racial dos-as docentes de Geografia do Ensino Médio apresentou diferenciações em relação aos que atuaram nos Anos Finais Ensino Fundamental – tomando o ano de 2021 como parâmetro. Enquanto na última etapa de ensino da Educação Básica a proporção de brancos foi de 68,7% – sendo 30,25% homens e 38,45% mulheres –, e de negros-pardos 28,07% – 15,67% homens e 12,3% mulheres –, nos Anos Finais do Ensino Fundamental os dados são de 51,71% de brancos – 27,94% mulheres e 23,77% homens – e de 31,51% negros-pardos – 16,4% mulheres e 15,11% homens. Portanto, o Ensino Médio tem maior presença de homens – a partir de 2020 – e brancos-as em comparação à etapa da Educação Básica antecessora.

A tendência de retração dos-as professores-as jovens no magistério, quando verificamos a composição etária dos-as docentes de Geografia do Ensino Médio, é outro elemento factual. Ao longo dos anos de 2015 a 2022, a redução de professores-as de Geografia na etapa da Educação Básica em questão teve devida singularidade simétrica às distintas etapas de ensino da Educação Básica; exceto a Educação Infantil. Em termos gerais, ocorreu a subtração dos-as docentes até 39 anos, que proporcionalmente não alcançaram os-as professores-as das faixas posteriores; pelo contrário, o número de idosos foi maior do que de jovens entre 18 e 24 anos, e se aproxima da metade percentual dos-as docentes entre 25 e 29 anos (MTE, 2024), obedecendo uma tendência contínua de subtração com ressalvas para os anos de 2021 e 2022. Se em 2015 o quantitativo mais expressivo se encontrava entre os-as professores-as entre 30 e 39 anos, em 2022 este fato se deslocou para o segmento demográfico posterior.

Tabela 3 – Distribuição dos-as Professores-as de Geografia do Ensino Médio de acordo com a faixa etária – 2015-2022.

Fonte: MTE (2024).

Tabela 4 – Variação os-as Professores-as de Geografia do Ensino Médio de acordo com a faixa etária – 2015 a 2022.

Fonte: MTE (2024).

Optamos neste momento, no qual trataremos a adequação formação dos-as docentes de Geografia que atuaram no Ensino Médio entre 2015 e 2023, pela utilização dos dados do INEP (2024). Dentre os anos de 2015 a 2023 houve avanço no número de professores-as formados-as de maneira salutar na última etapa da Educação Básica em 7,3% – mesmo com o decréscimo entre 2022 e 2023 –, diante da queda dos-as docentes bacharéis, assim como sem qualquer formação superior – 1,6% e 3,1% respectivamente (INEP, 2024).

E, mesmo que este dado confira à Geografia no Ensino Médio uma proporção maior que a totalidade em 2023 – 68,2% –, assim como números superiores à docência em comparação aos Anos Finais do Ensino Fundamental – 63,4% – ainda podemos conceber a significativa “polivalência” mensurada em 19% (INEP, 2024). Ao compararmos as regiões brasileiras, a Região Sudeste apresenta o melhor quantitativo de professores com formação adequada, em 81,7%, seguida pelo Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sul em ordem decrescente, com 80,8%, 76,8%, 75,9% e 71,6% respectivamente, sendo que a última região registrou retração de 3,4% entre 2022 e 2023 (INEP, 2024).

Tabela 5 – Variação percentual da Adequação da Formação dos-as docentes de Geografia do Ensino Médio – 2015-2023.
Fonte: INEP (2024).

Tratando-se do rendimento, inicialmente sobre o valor médio da hora contratual nominal, dos-as professores-as de Geografia que atuaram no Ensino Médio ao longo de 2015 a 2022, nota-se ascensão de 63,74%, com decréscimo entre 2015 e 2016 apenas. A maior expansão se deu entre as professoras, assim como maior valor agregado por hora-aula entre 2015 e 2021. Porém, a disparidade deste fator tomando a questão racial nos encaminha para abrupta discrepância, pois em 2021 o rendimento médio por hora contratada das mulheres brancas esteve 26,22% acima da mulher negra-parda – pior rendimento entre todos-as, mesmo com a maior ascensão salarial por hora no período discriminado (RAIS, 2024).

Em todos os casos, e tomando o ano de 2021 como referência, os valores superaram o destinado aos-as docentes de Geografia que lecionaram no Ensino Fundamental, sendo a diferença bruta de R$ 9,67 por hora – entre os homens brancos 10,84 reais, homens negros-pardo R$ 9,81, mulheres brancas R$ 14,72, e mulheres negras-parda R$ 7,54. Ou seja, além das distorções entre brancos, negros, pardos, homens e mulheres, há maior desequilíbrio entre as etapas da Educação Básica em debate, pois o pior salário por hora na docência em Geografia no Ensino Médio, referente às mulheres negras, é melhor que o maior valor da hora contratual dos Anos Finais do Ensino Fundamental – as mulheres brancas que lecionaram Geografia receberam R$ 35,07 reais nos Anos Finais do Ensino Fundamental MTE (2024).

Tabela 6 – Valor médio da hora contratual nominal dos-as professores de Geografia do Ensino Médio – 2015-2022.
Fonte: MTE (2024).

Tabela 7 – Valor médio da hora contratual nominal e percentual de aumento dos-as professores de Geografia do Ensino Médio considerando raça e gênero – 2015-2021.

Fonte: MTE (2024).

Fato este, que também se coaduna à duração do vínculo dos-as docentes Geografia dentre 2015 e 2022. Antes das considerações sobre o fato em questão, cabe acrescer que o vínculo de trabalho, mensurado por mês, retraiu de modo significativo após o ano de 2020 em razão, hipotética, do período pandêmico. No período acima discriminado as mulheres foram as que mais permaneceram nos postos de trabalho, exceto no período da pandemia provocado pelo SARS CoV-2, quando sua retração atingiu 49,61% da totalidade das professoras de Geografia do Ensino Médio, principalmente as mulheres brancas; enquanto os homens mantiveram relativa estabilidade, sendo sentida entre 2020 e 2021 em 29,72%.

Mas o que deve ser ressaltado é a disparidade entre negros-as, pardos-as e brancos-as, que se diferenciaram em 16,6 meses entre os professores, e 29,99% em relação às mulheres, com prejuízo sobre os negros-as e pardos-as tomando o ano de 2022 como referência, e a mulher docente de Geografia na última etapa da Educação Básica fora a que mais sentiu a retração nos últimos anos, sendo a mulher negra com pior permanência nas salas de aula após a pandemia.

Tabela 8 – Duração do víunculo de trabalho dos professores de Geografia do Ensino Médio de acordo com o gênero e a raça – 2015-2022.

Fonte: MTE (2024).

A remuneração média dos-as professores de Geografia do Ensino Médio no Brasil, tomando sua forma média absoluta e de acordo com os dados do RAIS, obteve reajustes entre 2015 e 2022 de modo linear tanto para os professores, quanto para as professoras. No total, o percentual alcançou 73,18%, sendo 72,77% para os homens e 75,75% para as mulheres. O mesmo diferencial é nítido entre as diferentes raças, e piora em quando relacionado ao gênero em impactos próximos ao analisado anteriormente – valor médio da hora contratual nominal. Entre os homens brancos, negros e pardos que lecionaram Geografia no Ensino Médio em 2021, a diferença se aproximou de R$500, enquanto a disparidade entre as mulheres seguindo o mesmo critério foi de R$ 750,37 (MTE, 2024).

A discrepância no Ensino Médio, entre os mesmos docentes, apresentou maior volume quando comparado aos-as professores-as da mesma ciência que lecionaram nos Anos Finais do Ensino Fundamental em 2021, que foi de R$ 291,26 entre as mulheres brancas, negras e pardas, e de R$ 295,11 entre os homens brancos e negros – sendo os-as brancos-as com melhor rendimento mensal –, e de modo geral o salário dos-as professores-as do Ensino Médio superam mensalmente, tomando o mesmo ano referencial, em aproximadamente em R$1500,00 MTE (2024b).

Tabela 9 – Evolução da remuneração mensal média dos professores-as de Geografia do Ensino Médio – 2015-2022.

Fonte: MTE (2024).

Tabela 10 – Evolução da remuneração mensal média dos professores-as de Geografia do Ensino Médio de acordo com o gênero e a raça – 2015-2022.

Fonte: MTE (2024).

Por fim, o fator geográfico – em relação à localização – nos aponta para um fenômeno particular. A média exposta pelo RAIS (MTE, 2024) explicita o melhor salário para os-as professores de Geografia que lecionaram no estado do Acre ao longo do ano de 2022, ficando os piores rendimentos mensais, tomando o valor de dois mil reais como referência, para Rio Grande do Norte, Sergipe, Paraíba, e Alagoas, correspondendo ao baixo valor médio mensal mensurado para as-os docentes que atuaram na Região Nordeste – a região com o pior indicador. A diferença quando comparamos com os-as docentes que lecionaram Geografia nos Anos Finais do Ensino Fundamental é tanta, o que acena com profunda força para as questões salariais nos diferentes sistemas de ensino e suas escalas – principalmente nos estados e municípios –, que entre os estados da Região Sudeste, a quarta pior região neste fato, o destaque negativo recai sobre estado de Minas Gerais ao longo de 2022, que contabilizou R$ 3.252,47 na última etapa da Educação Básica, enquanto na etapa anteriormente suscitada a média mensal alcançou 4.396,43 reais. Lembrando que a média salarial mensal dos-as professores-as do Ensino Médio supera a dos-as docentes de Geografia que lecionaram nos Anos Finais do Ensino Fundamental. Acrescemos que o rendimento médio mensal da metade dos estados no ano de 2022 esteve aquém do piso salarial da Educação Básica.

Em linhas gerais, o salário dos-as professores-as de Geografia no Brasil que atuaram no Ensino Médio no período adotado neste estudo esteve aquém do mínimo estipulado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos para dezembro de 2022[1], mensurado em R$ 6.647,63, abaixo da média dos profissionais formados em nível superior de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[2], estipulado em 2022 com a quantia de R$ 7.094,17, e não alcançou a metade do rendimento mensal dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Ao mesmo tempo, quanto maior a etapa e o nível de ensino, maior a proporção de homens brancos e maiores salários. Além disso, espelham a mesma disparidade entre gênero e raça quando comparados aos mesmos trabalhadores em nosso país. Enfim, o óbvio. O pessimismo da razão.


Rodrigo Coutinho Andrade é professor do Departamento de Geografia do IM-UFRRJ, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da FFP-UERJ, e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares da UFRRJ, e membro do GTPS-UFRRJ e da AGB-Niterói.

 

Referências:

INEP. Censo Escolar. Brasil: INEP, 2024. <https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/p esquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar>. Acesso em: sete de janeiro de 2025.

MTE. Boletim sobre a Desigualdade Racial no Trabalho. Brasília: MTE, 2024a. Disponível em:

<https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/estatisticas-trabalho/o-pdet/boletim desigualdade-racial/BoletimsobreadesigualdaderacialnomercadodetrabalhoVF.pdf>. Acesso em: seis de janeiro de 2025.

OCDE. Education at a Glance 2023. Brasil: INEP, 2023.

 

[1]     https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

[2]     https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/40439-empresas-formadas-apenas-por-socios-e-proprietarios-eram-maioria-e-pagavam-menores-salarios-em-2022#:~:text=O%20sal%C3%A1rio%20m%C3%A9dio%20mensal%2C%20em,foi%20R$%203.542%2C19.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

A escola e o celular

Nonato Menezes Bonito seria uma lei para “obrigar” as escolas a terem em cada  uma de suas salas um jarro com planta. Imagine uma planta num...