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Bruna Frascolla
A estupidificação das universidades em todo o Ocidente provavelmente decorre de um modelo de gestão americano de 2002, que desvaloriza tanto o professor quanto a produção de conhecimento.
É inegável que, em todo o Ocidente, houve um emburrecimento das instituições que deveriam valorizar a preservação e o avanço do conhecimento: as universidades. Na direita em geral, e em setores da velha esquerda, esse emburrecimento é frequentemente explicado pela adesão das instituições ao wokeismo, que substitui a produção de conhecimento pelo ativismo mais fútil e performático. Além disso, o conhecimento importa menos do que os atributos identitários das pessoas que podem produzi-lo. Não se espera mais que as universidades produzam a cura para o câncer; em vez disso, elas são obrigadas a empregar mulheres trans lésbicas e negros não binários com deficiência.
Os críticos fariam bem em observar que o wokeismo é uma ideologia promovida pelo mercado financeiro, que cria parâmetros e tabelas ESG para avaliar empresas com base em sua adesão ao wokeismo e à agenda verde. Não ter uma CEO mulher ou não comprar os carros elétricos de Elon Musk pode se tornar um pretexto para desvalorizar as ações de uma empresa ou negar-lhe crédito barato.
Assim, o artigo “Como as métricas de negócios quebraram a universidade”, do professor americano Hollis Robbins, é muito oportuno porque mostra a impressão digital da lógica de mercado na universidade woke.
Segundo ela, “abordar a hiperpolitização da academia deve […] começar com o reconhecimento de que o planejamento centralizado baseado em métricas alimentou essa tendência desde o início. Embora outros fatores tenham contribuído, a universidade centralizada tornou-se uma incubadora para o extremismo ideológico, sobretudo porque sua estrutura transforma os alunos em clientes e incentiva o corpo docente a buscar visibilidade por meio de controvérsias, em vez de conquistas acadêmicas tradicionais.”
Não foi uma tendência espontânea. Havia um plano e um mentor: “O líder mais visível do movimento de centralização foi o reitor da Universidade Estadual do Arizona, Michael Crow, que articulou pela primeira vez seu modelo para uma 'Nova Universidade Americana' ao assumir o comando em 2002. Sua 'reinvenção' e 'transformação' envolveram a quebra de 'silos' disciplinares para colocar os alunos antes do corpo docente e o 'impacto' acima de tudo. […] O que isso significou na prática foi o enfraquecimento da autonomia departamental, a dissolução da governança disciplinar e a concessão à administração centralizada do poder de determinar contratações, prioridades de pesquisa e estruturas acadêmicas. Como Crow explicou em uma análise retrospectiva de suas realizações na ASU: 'Fomos transformados de uma instituição centrada no corpo docente para uma instituição centrada no aluno — ou seja, o propósito da instituição é servir ao aluno e aprimorar os resultados na comunidade, não apenas fornecer um lugar para o corpo docente ser excelentes acadêmicos, cientistas ou criadores.' Sob o lema de "acesso para todos" e "impacto social", o poder foi retirado dos departamentos acadêmicos, as disciplinas foram reduzidas a enormes escolas interdisciplinares e os professores foram marginalizados.”
Como brasileiro, a leitura destas linhas me chocou um pouco, pois o processo de centralização das universidades brasileiras ocorrido durante o segundo mandato de Lula foi apresentado por um de seus idealizadores (o Reitor Naomar de Almeida) sob o nome de Universidade Nova em 2007. Isso seria fruto tanto das ideias do educador brasileiro Anísio Teixeira quanto do Processo de Bolonha. Não obstante, reconheço o processo institucional descrito na Universidade Federal da Bahia (minha alma mater ): as faculdades e departamentos foram atacados como locais de “especialização precoce”, problema a ser combatido por meio da criação de novos institutos interdisciplinares, além da possibilidade de os alunos cursarem a disciplina que quisessem – o que resultou na invasão das aulas de ioga dos cursos de educação física pelos alunos dos recém-criados bacharelados interdisciplinares. Em última análise, tratava-se de uma cópia de um modelo inaugurado em 2002 nos EUA.
Além disso, toda a reestruturação das universidades federais promovida pelo Ministro Haddad (sob o nome Reuni) foi acompanhada de expansão (exigindo tanto a criação de novas instituições e cursos quanto a necessidade de mais alunos por professor), a substituição dos exames de admissão locais por um teste que imita o SAT (substituindo assim o conhecimento memorizado indispensável por algo semelhante a um teste de QI) e a adoção improvisada de ações afirmativas (o Brasil acabou inventando tribunais raciais para determinar quem é negro e elegível para vagas).
Paralelamente, a participação acionária de empresas educacionais lucrativas, como a americana Adtalem Global Education Inc., cresceu no mercado brasileiro. O governo as financiou de duas maneiras: por meio do Prouni, que pagava as mensalidades dos alunos, ou do Fies, que concedia empréstimos especiais aos estudantes. Nesses casos, o que mais contribuiu para o emburrecimento da sociedade não foi o wokeismo, mas a inflação de diplomas e a queda da qualidade do ensino. Junto com essa expansão do setor privado, ocorreram mudanças legislativas que permitiram a substituição de professores por aulas gravadas.
Voltemos aos EUA. Em relação à ideologização, o professor Robbins a explica por meio das demandas dos alunos, que agora são vistos como clientes a serem atraídos por uma marca. Além disso, “professores titulares dedicam mais tempo respondendo a requisitos de relatórios de cima para baixo, ajustando práticas para atender aos novos padrões curriculares e às expectativas de entrega dos cursos. O planejamento centralizado incentiva a dependência de instrutores com contratos de curto prazo. O caminho de menor resistência — e maior segurança no emprego — reside em se aliar aos alunos e abraçar correntes ideológicas.”
Pela descrição acima, reconheço meus professores reclamando dos relatórios que tinham que entregar a Brasília — especialmente no programa de pós-graduação, que também precisava ter muitos, muitos alunos para se justificar, então os alunos eram admitidos mesmo que estivessem interessados apenas em receber uma bolsa de pesquisa e adiar o inevitável desemprego. O resultado foi uma horda de doutores para poucas vagas de emprego — que, além disso, eram geralmente temporárias, como nos EUA. O resultado foi excesso de doutores e pouquíssimas vagas. Portanto, os estudantes de pós-graduação não ousavam dizer nada fora da ideologia vigente, temendo nunca passar nos concursos públicos que oferecem empregos estáveis e são administrados por professores. Desde a década de 2010, o wokeismo se tornou a ortodoxia nas universidades públicas. O governo federal adotou essa moda e empoderou seus bajuladores em todo o Brasil. Nas universidades brasileiras, então, o wokismo tem mais a ver com a bajulação de professores e aspirantes a professores do que com a pressão estudantil. Isso confirma a explicação do Professor Robbins, já que os distúrbios "woke" nos EUA, onde os professores têm menos poder, são muito mais graves do que no Brasil (onde nada parecido com o caso Evergreen jamais ocorreu, e a violência física é rara).
O professor Robbins também aponta o efeito das métricas na qualidade. Primeiro, há pressão para aprovar alunos a fim de favorecer essas métricas – um fato bem conhecido no Brasil, tanto no setor público quanto no privado. Além disso, essas métricas “favorecem cursos grandes ou online que podem processar centenas de alunos simultaneamente. Todos sabem que uma palestra com 300 pessoas é mais 'eficiente' do que vinte seminários com 15 pessoas, independentemente da qualidade pedagógica. Em seminários menores, posições extremas enfrentam questionamentos e discussões de colegas e professores. Há pouca oportunidade para diálogo ou troca intelectual em uma palestra ou formato online. Um professor carismático pode apresentar pontos de vista ousados para centenas de alunos ao mesmo tempo, sem nenhuma oportunidade significativa para debate. As métricas mostrarão alto número de matrículas e utilização eficiente de recursos.”
Aqui temos os mesmos problemas das universidades privadas brasileiras durante a era da expansão, exceto pelo fato de o professor carismático alcançar o status de celebridade — porque no Brasil as universidades públicas ainda são as mais procuradas e não há turmas com 300 alunos. No entanto, o fenômeno dos professores carismáticos também começa a aparecer por aqui, com iniciativas como a Faculdade Mar Atlântico, de um instagrammer de direita, e os programas de pós-graduação vendidos pela ICL, uma plataforma de marketing digital de esquerda. O mundo dos coaches se cruza, online, com o dos diplomas universitários. Vamos ver se pega.
Bem, o que podemos concluir é que o esfacelamento das universidades em todo o Ocidente provavelmente decorre de um modelo de gestão americano de 2002, que desvaloriza tanto o professor quanto a produção de conhecimento em favor de métricas empresariais de "eficiência" que tratam o aluno como um cliente. Tracei um paralelo com o Brasil, e leitores estrangeiros certamente podem comparar com seu país de origem.
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