segunda-feira, 8 de abril de 2024

CRÍTICA - “A Sala dos Professores” e o sistema educacional

Imagem do filme “A Sala dos Professores” (Divulgação/Sony Pictures Brasil)

Como o indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional nos proporciona algumas analogias sobre um sistema educacional incapaz de decifrar a complexidade e de preencher o vazio que incita

Renato Dias Baptista

O filme A Sala dos Professores (Das Lehrerzimmer) é uma produção com uma teia intricada, e não é por acaso que no universo da crítica cinematográfica fluem inúmeras análises nas redes. Diante desse aspecto, apresento aqui alguns fios da teia desse longa-metragem e algumas variáveis sistêmicas que podem se conectar ao sistema educacional brasileiro.

A Sala dos Professores é uma oportunidade para mergulhar na complexidade do sistema educacional. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2024, tem como protagonista Carla Nowak (Leonie Benesch) uma professora que busca desenredar uma trama na qual ela também se encontra entrelaçada.

Não espere um roteiro que evidencie aceleradamente as angústias, tal qual em Sociedade dos poetas mortos. Tente absorver A Sala dos professores como uma obra que precisa ativar o papel de um “espectador conectivo”, alguém que deve flexibilizar as próprias concepções.

Carla Nowak é professora de uma classe de adolescentes numa escola alemã. A sala em que ela ministra aulas tem muitos alunos que são filhos de imigrantes. Esse aspecto representa um entre os diversos pontos de conexão que o diretor Ilker Çatak e o roteirista Johannes Duncker buscam provocar naqueles que assistem ao filme.

São evidenciadas as diferentes concepções sobre uma realidade que defronta a pretensa institucionalidade, uma escola que acredita ser detentora do percurso “certo das coisas”. Dentre os muitos “nós”, é possível evidenciar os códigos na atitude da protagonista, Carla Nowak, que inicia as suas aulas com palmas ritmadas e aderidas pelos estudantes. Uma analogia ao cartesianismo que ignora as interfaces sociais e que se tornou a caricatura de um sistema educacional que insiste em uniformizar a alma ao ceifar a criatividade.

O filme captura o telespectador em sua teia viscosa quando Carla Nowak busca descobrir quem estava praticando roubos na escola. Para isso, ela deixa a câmera de seu laptop gravando na sala dos professores e consegue obter a imagem incompleta de uma pessoa.

Carla acredita ter identificado a secretária Friederike Kuhn (Eva Löbau). Ela a denuncia, apesar de ter captado um fragmento da realidade, algo que percorre o roteiro como uma provocação, uma crítica à inabilidade de um sistema educacional que não percebe os vínculos sociais que reverberam em si mesmo.

No entanto, numa aparente autorreflexão, Carla demonstra reconhecer que a visão parcial é o pior dos caminhos para solucionar algo. Mas o arrependimento não foi capaz de deter o movimento iniciado, já que a diretora, Bettina Böhm (Anne-Kathrin Gummich), que recebeu a denúncia, apõe-se ao recuo da protagonista com a frase: “confie em minha experiência”. Uma confiança que indica um apego aos protocolos – algo que já funcionou. Numa sociedade cambiante, essa característica se incorpora ao desastre contemporâneo na educação.

A denúncia começa a gerar reações nos demais professores e, principalmente, nos alunos que se rebelam. Eles pressionam a jovem professora Carla Nowak por considerá-la culpada ao fazer uma acusação sem validação. Não é por acaso que, em determinada cena, ela pede aos alunos que gritem no início de uma aula. Aqui existe uma referência ao método proposto pelo psicólogo estadunidense Arthur Janov. Ele considerava que a dor reprimida de traumas seria a causa das neuroses, ou seja, os eventos traumáticos estariam “presos” e seriam “libertados” por meio de gritos.

Outro momento notável do longa-metragem é quando a professora Carla entrega um cubo mágico para Oskar (Leonard Stettnisch), um estudante suspenso por apresentar um comportamento rebelde e por não aceitar ver sua mãe, a secretária da escola, Friederike Kuhn (Eva Löbau), ser punida pela acusação de roubo. A propósito, para Rubik (inventor do cubo) o objetivo do objeto é resolver um problema estrutural ao mover partes que interdependem. Eis uma analogia ao empirismo de Carla que almeja entender e solucionar a complexidade do movimento iniciado.

Em uma das últimas cenas do filme, Oskar surge de forma inusitada e senta-se numa das cadeiras da sala de aula. Apesar do estranhamento, a diretora e alguns professores tentam convencê-lo a sair, mas eles não obtêm êxito. No entanto, Carla quer conversar com ele isoladamente e é nesse momento que Oskar devolve o cubo com as partes formadas na mesma cor.

Ele obteve uma solução no cubo de Rubik, entretanto, a trama induz ao paraíso dos descontentes: sem a subjetividade, a lógica se deleita. Por isso, na cena final, Oskar aparece sendo retirado da sala de aula pela polícia, ainda sentado em sua cadeira. Não existe diálogo com os reféns da parcialidade.

Enfim, essas são algumas analogias sobre um sistema educacional incapaz de decifrar a complexidade e de preencher o vazio que incita. É improvável que o modelo educacional vigente reconheça a própria corrosão.


Renato Dias Baptista é professor associado da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

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