sexta-feira, 18 de agosto de 2023

MAKARENKO, PEDAGOGO DO EXTREMO E DA ALEGRIA DE EDUCAR

 

periodicos.sbu.unicamp.br/

Samira Fakhouri Baía1
Lucília Regina de Souza Machado2

RESUMO

As relações entre história, sociedade e educação são necessariamente evocadas quando se trata de Anton Semionovich Makarenko, pedagogo soviético e suas experiências educativas na Colônia Gorki e na Comuna Dzerjinsk, nos primórdios da Revolução Russa. Neste artigo, construído a partir de revisão teórica, busca-se contemplar duas das principais características do seu perfil como pedagogo: a firme disposição a enfrentar situações extremas e a alegria no educar na construção da sociabilidade comprometida com a emancipação social. Guiado pelo princípio de que transformar as relações humanas é condição para a formação de um novo homem, suas propostas são uma referência para os educadores que se propõem, nos dias de hoje, a enfrentar os dilemas do como educar o ser social e promover relações interpessoais eticamente fundadas nas aspirações a favor do bem-estar coletivo, da justiça social, da igualdade e da solidariedade.

MAKARENKO, PEDAGOGUE OF THE EXTREME AND OF THE JOY OF EDUCATING

Abstract

The relations between history, society and education are necessarily evoked when it comes to Anton Semionovich Makarenko, Soviet pedagogue and his educational experiences in the Gorky Colony and the Dzerzinsk Commune, in the early days of the Russian Revolution. In this article, constructed from a theoretical review, we seek to contemplate two of the main characteristics of his profile as a pedagogue: the firm disposition to face extreme situations and the joy in educating in the construction of sociability committed to social emancipation.

Guided by the principle that transforming human relations is a prerequisite for the formation of a new man, his proposals are a reference for the educators who today propose to face the dilemmas of how to educate the social being and to promote interpersonal relations ethically founded on aspirations for collective well-being, social justice, equality and solidarity.

MAKARENKO, PEDAGOGO DEL EXTREMO Y DE LA ALEGRÍA DE EDUCAR

Resumen

Las relaciones entre historia, sociedad y educación son necessariamente evocadas cuando se trata de Anton Semionovich Makarenko, pedagogo soviético y sus experiencias educativas em la Colonia Gorki y en la Comuna Dzerjinsk, en los comienzos de la Revolución Rusa. En este artículo, construido a partir de revisión teórica, se busca contemplar dos de las principales características de su perfil como pedagogo: la firme disposición a enfrentar situaciones extremas y la alegría en el educar en la construcción de la sociabilidad comprometida con la emancipación social. Guiado por el principio de que transformar las relaciones humanas es condición para la formación de un nuevo hombre, sus propuestas son una referencia para los educadores que se proponen, en los días de hoy, a enfrentar los dilemas del cómo educar el ser social y promover relaciones interpersonales éticamente fundadas en las aspiraciones a favor del bienestar colectivo, de la justicia social, de la igualdad y de la solidaridad.

INTRODUÇÃO

As ideias e práticas pedagógicas de Anton Semionovich Makarenko (Ucrânia, 1888- 1936) atraem até hoje a atenção de educadores de todo mundo. De um lado porque conseguiu romper com a formação universitária recebida, pavimentada pelas teorias pedagógicas burguesas. Por outro, pela sua liderança na promoção de inovações pedagógicas e sociais na educação de crianças e jovens dados como irrecuperáveis para a vida em sociedade, que resultaram num novo paradigma educacional.

Pedagogos do extremo é a designação que Casanova e Pesce (2011) escolheram como título para o livro em que expõem doze experiências educativas, desenvolvidas em países diferentes, confrontadas com situações graves, mas dignas de constituir realidades saídas de utopias que dão esperança. É um qualificativo que bem serve para identificar e apresentar Makarenko, tanto que também foi utilizado por Jeanne (2005) para falar da obra desse pedagogo.

A experiência e o sentimento de viver situações extremas, seja em escolas ou outros ambientes em que atuam, têm crescido entre professores e educadores de todo o mundo, por conta dos episódios de violência que se repetem, das dificuldades de todo tipo enfrentadas pelas crianças e jovens, da complexidade dos contextos e da variedade das exigências que demandam atenção e resposta. (CASANOVA; PESCE, 2011).

Esse também foi o quadro enfrentado por Makarenko, que buscou se armar observando as necessidades sociais e do mundo da classe trabalhadora e os fundamentos do marxismo referentes à construção da emancipação social.

A análise das doze experiências realizada por Casanova e Pesce (2011) toma como referência os invariantes pedagógicos de que Freinet (1964) fala como pistas de ação indispensáveis a toda obra pedagógica. Eles encontraram sete constantes nessas experiências que também podem ser observadas nas realizações de Makarenko: 1 - não é o educador quem educa, mas o meio; 2 - a pedagogia é a arte do fazer; 3 - a ação é aquela de um coletivo; 4 – a palavra estrutura a ação, a apóia, lhe dá significação; 5 - a riqueza da cultura proporcionada pela escola não rejeita jamais a cultura dos sujeitos, de sua família, de seu meio; 6 – o entusiasmo da ação na criação da ambiência; 7 - o fazer com a situação e com os recursos que se dispõem.

Portanto, neste capítulo, aspectos das concepções teóricas e práticas de Makarenko e de como se desenvolveram algumas de suas ideias serão apresentados e discutidos. Por exemplo, o papel que tinha a disciplina. Diante de circunstâncias sociais extremamente adversas, ela não era aplicada de maneira arbitrária, mas permeada pelo diálogo, pelas relações do e no coletivo. Makarenko acreditava que a disciplina e o respeito mútuo poderiam resultar em transformações profundas das relações. Relata Prestes (2012, p. 650) que:

[...] era impossível usar sua bagagem teórica e aplicá-la de maneira metódica e fria para conseguir o mínimo de disciplina para organizar aquele coletivo de crianças e jovens sofridos e rejeitados pela sociedade. O grande desafio estava em estabelecer um diálogo, romper com a relação de influência e imposição. Isso fez com que Makarenko chegasse à primeira grande descoberta: Todos deveriam sentir-se parte fundamental de um todo, com uma disciplina rígida, delegando e assumindo responsabilidades para organizar a convivência do grupo. Todos tinham responsabilidades e respondiam por elas num sistema de revezamento, de tal forma que todos pudessem trocar de papéis e conhecer as responsabilidades de cada situação; enfim, sentirem-se corresponsáveis pelo coletivo.

A pedagogia socialista de Makarenko o levou a refletir sobre como a atribuição de responsabilidades e o controle social exercido democraticamente mediante a participação viva dos alunos podem ser meios eficientes no processo educativo. Princípios de convivência, cuidados com a limpeza, civilidade, disciplina, zelo com respeito a rotinas e respeito ao trabalho eram firmados por acordos coletivos. Esses eram construídos pelos próprios alunos em meio a debates, exposições e deliberações em assembleias e envolviam desde questões de organização física do espaço a assuntos educacionais, que tivessem possíveis influências na formação de novos hábitos e no convívio entre os diversos sujeitos.

As ideias pedagógicas de Makarenko orientaram a educação de crianças e jovens em situação de risco social na Colônia Gorki e na Comuna Djerzinsk e constituem um legado histórico importante, que faz conexão com experiências educativas brasileiras de referência para os educadores que se propõem a buscar soluções para o enfrentamento de problemas relativos às relações interpessoais nas escolas de hoje. Contribuem, igualmente, para a formação de uma nova consciência social sobre relações sociais e a importância do coletivo na formação das pessoas e para a vida em sociedade.

Makarenko realizava a conexão entre instrução, trabalho e fortalecimento do coletivo. Suas experiências foram registradas em seus livros para relatar as dificuldades e os desafios ao dirigir a Colônia Gorki e a Comuna Dzerjinsk, narrativas que fazem o leitor refletir sobre o papel das relações interpessoais na educação. Nas palavras de Zoia Prestes (2012, p. 651):

[...] Makarenko é um inovador no que se refere a estudos e práticas pedagógicas, no sentido de unir a educação e o ensino com o trabalho produtivo, elaborando estudos sobre o papel educativo do trabalho, da auto-gestão, da coletividade e do desenvolvimento livre da personalidade [...].

O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL

O contexto histórico e social em que a Rússia se encontrava era desafiador. Tratava-se de período extremamente conturbado pela danosa herança do czarismo e pós-Primeira Guerra Mundial. A Rússia, fragilizada política e economicamente, com perspectivas de atenção social reduzidas, havia atingido o auge de 7,5 milhões de crianças e jovens desamparados, com moradias precárias, fome e abandono social. Tal quadro tornava imprescindíveis ações sócio-educativas para uma política consistente que fornecesse garantias de proteção a crianças e jovens internos em abrigos, orfanatos ou colônias.

Até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), havia na Rússia mais de 2,5 milhões de crianças abandonadas. Com a vitória da Revolução de outubro de 1917 a situação se agravou ainda mais. E mesmo com o país arrasado pela guerra civil, deflagrada pelas forças contrárias à Revolução, o novo governo dos Sovietes estabeleceu as prioridades e apontou para a necessidade da formação do novo homem. Em função disso a atenção da sociedade é voltada para as crianças e adolescentes abandonados que já chegavam então ao número assustador de 7,5 milhões. A título de exemplo, cito alguns dados que revelam o envolvimento do novo governo com o problema da criança: em 1917, havia 30 mil crianças em abrigos, orfanatos ou colônias; em 1919 já eram 125 mil; em 1921 esse número crescera para 540 mil. Para abrigar as crianças e protegê-las da degradação física e moral, começaram a ser criadas as casas da criança, que até o início de 1921 já eram 5 mil unidades atendendo a 260 mil crianças órfãs ou abandonadas. No ano seguinte, esse número cresceu para 7.815 casas com 415 mil crianças abrigadas. (PRESTES, 2012, p. 647)

Segundo Filonov (2010, p. 127):

É lá, em meio aos combates contra o czarismo e as agruras enfrentadas pelo povo russo, onde encontramos os fundamentos de suas concepções educacionais. Fome, miséria, servidão e ausência dos mais elementares direitos sociais e políticos caracterizavam o cotidiano da maioria da população da Rússia nos primórdios do século passado. Em toda a Europa, esse era o país que menos assegurava direitos sociais a seu povo, inclusive a educação, também negada.

Makarenko buscava, assim, articular teoria e prática, política e pedagogia. O contexto era também de intensos debates sobre reformas após a guerra e como responder às necessidades educativas da revolução socialista. Influenciado por concepções de Marx, Engels, Lenin e Gorki, Makarenlo buscou dar respostas por meio de uma pedagogia baseada na construção da coletividade, que fosse capaz de impulsionar projetos de vida e para a vida.

Ao se deparar com profundas falhas no sistema educativo da época, Makarenko buscou redefinir ações para ampliar o espaço cultural, reformular o currículo e envolver pais e professores no espírito da revolução socialista. Seu objetivo era dar ênfase ao ensinoaprendizagem que privilegia a vida em comunidade e a importância da participação de todos de forma responsável. Para tanto, propôs que o educando fosse sujeito de sua própria vida, tanto individual como coletiva.

Três anos após o início da Revolução russa, engajado na construção do socialismo, Makarenko passou à elaboração prático-teórica dessa pedagogia, entendida por ele como um instrumento de luta, capaz de tornar o homem sujeito de sua própria ação transformadora e de abrir um campo vasto de possibilidades.

Levava em conta o sujeito individualmente considerando que todos são dignos de atenção. Motivava jovens e crianças graças ao seu espírito otimista e de confiança na construção de um futuro promissor. Segundo Balabanovitch, “Makarenko amava a vida, sentia o valor dela, a sua poesia e sua beleza.” (BALABANOVITCH, 1980, p. 14).

Sensível às agruras vivenciadas, galgava a superação descrita em seus escritos, degrau a degrau, expondo de seu íntimo como considerava a vida e como analisava as diversas situações com que se deparava no dia a dia como diretor da Colônia Gorki e da Comuna Dzerjinsk. Balabanovitch (1980, p. 14) se reporta ao que diz Makarenko em relação à vida:

Considero que a vida deve ser bela, que ela está na origem de tudo o que é belo... Amo a vida tal como ela é. É bela justamente porque não é prática, porque não tem o egoísmo por medida, porque é feita de lutas e perigos, de sofrimentos e pensamentos, de uma espécie de altivez e independência perante a natureza... Vivo porque amo a vida, amo o dia e a noite, amo a luta, gosto de ver o homem crescer, lutar contra a natureza e, entre outras, contra a sua própria natureza.


Após trabalhar como diretor de escola em Kriukov e Poltava recebeu um convite para ser encarregado da direção da Colônia Gorki e depois da Comuna Dzerjinski. Iniciou seu trabalho enfrentando condições precárias de infra-estrutura, extrema pobreza, escassez de alimento, inverno rigoroso e o desafiador atendimento a crianças abandonadas, esfarrapadas, com sarnas, em situação de risco. Muitas haviam perdido seus pais na guerra, outras tiveram seus vínculos familiares rompidos, ainda outros eram jovens infratores, viciados ou envolvidos com a prostituição.

A primeira necessidade do homem é o alimento. Por isso a situação com as roupas não nos deprimia tanto quanto a situação com o alimento. Nossos educandos estavam constantemente famintos e isso dificultava sensivelmente o problema da reeducação moral. Apenas uma certa parte, e pequena do seu apetite, os colonistas conseguiam fazer pelos seus próprios recursos. (MAKARENKO, 2012, p. 31).

Com conhecimentos limitados para lidar com jovens infratores e sem nenhuma teoria específica para a situação com que se deparava, Makarenko assumiu de forma consciente necessidade de trabalhar um modelo inovador de educação, com métodos de ensino desenvolvidos a partir de experiências concretas e, nesse contexto, novas propostas pedagógicas se construíram.

Com suas concepções firmadas sobre bases socialistas, desvendou mediante erros e acertos um novo rumo para a educação na União Soviética, criticado constantemente pelo

Departamento de Educação Pública e pelo inamistoso inspetor Shárin.

Na minha exposição sobre disciplina eu me permiti pôr em dúvida as posturas então aceitas por todos e que afirmavam que a punição educa escravos, que é preciso dar liberdade à criatividade infantil, confiando o máximo na organização e na autodisciplina da criança. Eu me permiti externar a minha profunda convicção de que, enquanto não estiverem criados o coletivo e os órgãos do coletivo, enquanto não existirem tradições e não forem criados hábitos elementares de trabalho e de vida, o educador tem o direito e não deve renunciar a ele, de usar a força e obrigar. Afirmei também que não era possível basear toda a instrução sobre o interesse, que a educação do censo de responsabilidade e do dever muitas vezes entra em conflito com o interesse da criança, e em especial da forma como esta o entende. Eu exigia a educação de um ser humano resistente e forte, capaz de executar também trabalhos muito desagradáveis e trabalhos tediosos, se eles são requeridos pelos interesses coletivos. (MAKARENKO, 2012, p. 132)

Inserido numa sociedade injusta, num contexto de revolução, desafios contínuos e exigências de renovadas tentativas, o pedagogo buscou a solução de problemas de todo tipo inclusive furtos, a rejeição aos judeus, trapaças, mentiras. Isso era feito junto a outras situações da rotina escolar e que o levaram a diversos questionamentos:

Pois é. Quer dizer que tudo vai bem. Mas que desordem e que lixo enchiam a minha alma pedagógica! Deprimia-me um pensamento: será que não vou mesmo descobrir em que consiste o segredo? Pois parecia que eu já tinha tudo nas mãos, só faltava agarrar. Já havia um brilho novo nos olhos de muitos colonistas... e de repente tudo se rompeu tão miseravelmente. Será que eu teria que começar tudo de novo?
Indignava-me a pessimamente organizada técnica pedagógica, e a minha impotência técnica. E eu pensava com repulsa e raiva sobre a ciência pedagógica: “Há quantos milênios ela existe! Que nomes, que idéias brilhantes: Pestalozzi, Rousseau, Natorp, Blonsky! Quantos livros, quantos papéis, quanta glória! E ao mesmo tempo, um vácuo, não existe nada, é impossível haver-se com um só desordeiro, não há um método, nem instrumental, nem lógica, simplesmente não existe nada! Tudo uma “enorme charlatanice”. (MAKARENKO, 2012, p. 111).

Ao defender um sistema mais justo, empenhado em extinguir desigualdades e ofertar oportunidades e condições resolutivas de educação, Makarenko não poderia se deixar enfraquecer pelos entraves conflitantes do momento nem pelas perseguições e questionamentos do Departamento de Educação Pública:

Eu já estava preparado para a “liquidação” da colônia, mas o cotidiano colonista, a campanha de semeadura e ainda aquela mesma reforma da segunda colônia não me permitiram sofrer demasiadamente por causa das perseguições do Departamento de Educação Pública. Aparentemente alguém me defendia ali, porque ninguém me liquidou durante muito tempo. E nada podia ser mais fácil: podiam simplesmente me despedir do trabalho.
Mas eu procurava não visitar o Departamento: eram demais o desdém e a hostilidade com que era tratado ali [...]. (MAKARENKO, 2012, p. 132-133).

A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA

Atento às oportunidades de repensar novas concepções pedagógicas para o contexto de mudanças sociais na sociedade russa, que fossem inclusivas, buscou integrar ações de educação escolar à educação social não formal. Acreditava que todo ser humano tem a capacidade de construir a sua própria história, mas nem todos se despertam para uma construção significativa e valorosa.

Empenhou-se para que outros também se envolvessem com a construção dessa nova educação. Por meio de conferências, buscou sensibilizar pais a se engajarem na educação dos filhos e na organização familiar para uma nova sociedade.

Balabanovitch (1980, p. 14) informa que Makarenko dizia: “[...] meu mundo são as pessoas” e “[...] quando tomamos cada pessoa em particular, quando encaramos as suas dificuldades, as suas dúvidas, o seu calor humano, isto é talvez um elemento insignificante mas muito importante de uma grande cultura humana.”

No seu Poema Pedagógico, Makarenko relata seu otimismo e persistência na condução de um crescente número de alunos delinquentes e órfãos à transformação em pessoas comprometidas e responsáveis, imbuídas do espírito de grupo e trabalho coletivo embora em meio a um momento conturbado e de grandes dificuldades sociais. No prefácio para essa obra, Balabanovitch (1980, p. 14) comenta:

Este duro labor, que exige muita abnegação, não transformou a vida de Makarenko num sacrifício indispensável, mas penoso. Aquele homem de aspecto severo ocultava dentro de si tesouros de bondade e ternura. Makarenko tinha um admirável sentido de humor e o riso era para ele uma das manifestações de saúde moral.
Makarenko consagra-se inteiramente aos outros, com facilidade, com simplicidade e com alegria.

Sem uma estrutura digna para receber os internos e os educadores por conta das condições precárias onde carecia tudo o que poderia ser materialmente útil, Makarenko enfrentou o desafio com ânimo:

[...] conseguimos, com auxílio de especialista da aldeia, pôr mais ou menos para funcionar um dos barracões da antiga colônia: pusemos lá vidraças, repararam-se os fogões e voltaram-se a pôr portas. No domínio da política externa só alcançamos um trunfo mais considerável, conseguimos que entregassem 150 puds (cerca de 16 kg) de farinha de centeio da Comissão Especial das subsistências do Primeiro Exército da Reserva. Não tivemos sorte de concentrar outros “valores” materiais. (MAKARENKO, 1980a, p. 25).

O próximo passo consistia em encontrar educadores com disposição para abraçar a causa, que significava, naquele contexto histórico, formar o novo homem para a sociedade soviética. Certamente, isso exigia mais do que dedicação, reivindicava o trabalho árduo. O material pedagógico a ser utilizado dependia também do acompanhamento do Estado para evitar conteúdos e abordagens contraproducentes aos objetivos da educação requerida.

Com a mudança no sistema de governo, novos princípios e valores se estabeleceram e demandavam orientar a escola para o trabalho, pois a estratégia de re-socialização das crianças e jovens tinha em vista a formação de cidadãos integrados à produção social, capazes de dirigir a própria vida no tempo presente e na vida futura do país.

Situação precária de várias ordens e delineamentos políticos e pedagógicos exigiam dos professores comprometimento, dedicação e confiança nas diretrizes a serem seguidas.
Makarenko, por sua vez, embora buscasse incentivá-los com sua ousadia, disposição e convicções também se ressentiu com as frustrações dos primeiros tempos:

Os primeiros meses da nossa experiência não foram para mim e para os meus colegas apenas um período de desespero e de tensão impotente, foram também passados à procura da verdade. Em toda minha vida nunca li tantas obras pedagógicas como nesse inverno de 1920. (MAKARENKO, 1980a, p. 29).

O principal benefício que tirei dessas leituras foi a convicção, que se transformou em certeza, de que elas não me punham nas mãos qualquer ciência e qualquer teoria, e que era preciso retirar esta da soma dos fenômenos reais que se passavam diante dos meus olhos. Nem sequer o compreendi a princípio, vi simplesmente que o que tinha a fazer não eram fórmulas livrescas, já que, de qualquer maneira, era incapaz de aplicar aos factos, mas tinha necessidade de análise imediata e acção imediata. (MAKARENKO, 1980a, p. 29-30).

Ele se questionava sobre como re-significar antigas fórmulas, criar novos métodos, conter escárnios e badernas. Sem saber em que resultaria sua atitude, arriscou-se diante da angústia e dos conflitos que o comprimiam no íntimo. Assim, em certa ocasião, indo de encontro a todo seu conhecimento, um episódio o envolveu, bem como Zadórov e outros cinco internos. Ele assim o narrou:

Uma manhã de inverno, pedi a Zadórov que fosse cortar lenha para a cozinha. Ouvi a sua resposta habitual:
- Vai tu: vocês estão bem aqui!
Indignado com a afronta, num estado de raiva desesperada a que me tinha levado a experiência de todos os meses passados, ergui o punho e bati em Zadórov na cara. O golpe foi violento porque ele não se agüentou de pé e caiu por cima do fogão. Batilhe a segunda vez, agarrei-o pelo colarinho, tornei a levantá-lo e bati-lhe terceira.
- Vi-o imediatamente aterrorizado. Pálido, voltou a pôr precipitadamente o boné na cabeça com mãos trementes, depois tirou e voltou a pô-lo. Era natural que eu lhe batesse outra vez, mas ele murmurou baixinho, com um gemido:
- Perdão, Anton Semionovitch...
Ainda tomado de fúria, dirigiu-se aos outros internos dizendo:
- Toda gente imediatamente para o bosque para trabalhar, senão fora daqui e quero que se...! (MAKARENKO, 1980a, p. 30-31).

O dissabor do modo como gerenciou essa situação reflete-se nessas suas palavras: “Há que notar, no entanto, que nem por um minuto pensei ter encontrado na violência uma omnipotente receita pedagógica.” (MAKARENKO, 1980a, p. 34). Entre tentativas e reflexões, construiu sua prática pedagógica com a convicção de que a disciplina seria fator preponderante e não negociável para a conquista almejada:

A preocupação de resguardar os direitos individuais e coletivos dá respaldo para que a disciplina seja aceita por todos, não uma disciplina de agressão corporal ou moral, mas de fazer o infrator sentir, sendo colocado diante da infração, que com essa atitude está contrariando toda a coletividade. (BORDIN, 2010, p. 115).

Makarenko relata como explicava essa norma aos internos, “Meninos, escolham o que lhes convém mais. Eu não posso agir de outra maneira. Na colônia tem que haver disciplina.

Se não lhes agrada, vão para onde quiserem. Mas os que quiserem ficar têm que observar a disciplina. É como quiserem. Aqui não é um cabaré.” (MAKARENKO 1980a, p. 33).

Desse modo, a organização e a disciplina passaram a ser incorporadas ao dia a dia da escola. Diante da firmeza e postura de Makarenko, sentimentos de confiança e segurança se desenvolveram nos educadores e educandos. Mas faltava muito para que a Colônia se parecesse com um estabelecimento de educação. Construir uma nova pedagogia social não envolvia apenas se preocupar com o desenvolvimento das personalidades individuais, mas deveria ser uma oportunidade para testar como o educando poderia ser capaz de desenvolver sua personalidade nas relações gestadas pelas necessidades do coletivo.

Receber crianças órfãs, abandonadas pela família e de difícil trato não combinava com a utilização da pedagogia tradicional, pois o contexto pedia uma educação completamente diferente com respeito àquela do regime czarista. Era preciso rever processos educativos e encontrar formas apropriadas ao respeito individual e à vida em coletivo. Makarenko compreende que isso demandava o apoio de todos, dos educadores, da sociedade local e das famílias com também dos próprios educandos. Assim, nos relacionamentos que estabeleciam, as crianças maiores protegiam as mais novas e, juntas, participavam das marchas, dos momentos de lazer, das atividades de acordo com seus interesses.

O papel inovador de Makarenko manifestou-se na sua concepção de uma integração total dos dois processos [transformar e agir], permitindo transformar profundamente as condições de existência da criança e agir sobre seus conhecimentos, seus sentimentos e seu comportamento. O estudo da criança, enquanto membro de um grupo e indivíduo, se torna, então, um verdadeiro método de educação. (FILONOV, 2010, p. 18).

Pelas semelhanças com a linguagem e procedimentos militares, a pedagogia de Makarenko recebia críticas. Havia momentos nos quais os alunos ficavam em formação, sob o símbolo de sua bandeira, tal qual destacamentos de tropas o fazem.

Mas a disciplina apregoada por Makarenko não se exercitava sem dar voz às crianças.

Ela permitia que o respeito e a união ganhassem força, que se desenvolvesse o sentimento de subordinação entre iguais: “[...] essas crianças não apareciam como meros tutelados miúdos – eles tinham a própria organização, as suas leis e sua esfera de ação, nas quais existiam dignidade, responsabilidade e dever.” (MAKARENKO, 2012, p. 618).

A ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA

Makarenko entendia que a criança deve ser encarada com respeito e ter direitos a dar sua opinião, a discutir suas necessidades e de ser participativa no universo escolar. Porém, segundo conta, a disposição dos educandos, no início, era de anarquia: negligenciavam a importância de respeitar os direitos dos outros e do coletivo, tanto que isso gerava uma série de reclamações por parte dos moradores vizinhos à Colônia Gorki. Furtos também eram cometidos. Makarenko (2012, p. 40) relata:

Meu estado de espírito era horrível. Burún me parecia o último dos rebotalhos que podiam sair da escória humana. Eu não sabia o que fazer com ele. Ele fora parar na colônia por participar de um bando de ladrões, grande parte dos quais – maiores de idade – tinham sido fuzilados. Ele tinha dezessete anos.

Burún, arrependido e disposto a aceitar o castigo que lhe fosse imposto, deu sua palavra, e a manteve, de que nunca mais roubaria. Makarenko também obteve sucesso no desmantelamento das ações desses bandos, o que levou a Colônia Gorki a receber os agradecimentos das autoridades locais. O receio da comunidade em relação à Colônia se modificou, pois passou a ser reconhecida por seu esforço coletivo, que beneficia não apenas a si mesma, mas também a localidade, as famílias e os camponeses. (MAKARENKO, 2012).

As atividades desenvolvidas na Colônia Gorki e na Comuna Dzerjinski foram frutos de um trabalho investigativo persistente de organização do ambiente escolar, que possibilitou ofertar e ampliar gradativamente as escolhas dos alunos por áreas de trabalho, tanto aquelas que visavam à sobrevivência material do coletivo quanto as referentes à participação política, aos cuidados e recuperação do meio ambiente e direitos humanos. (MAKARENKO, 2012).

Os educandos na Colônia Gorki e na Comuna Dzerjinski eram demandados a dedicarem quatro horas de trabalho remunerado por dia. Alguns já possuíam alguma habilidade, outros se capacitaram de forma gradual e progressiva.

O salário é coisa muito importante. Na base do salário recebido, o educando elabora a capacidade de ordenar os interesses pessoais e os coletivos, mergulha no complexíssimo mar do planejamento financeiro-industrial soviético, dos cálculos de orçamento econômico e rentabilidade, estuda todo o sistema econômico-industrial, assumindo posicionamentos de princípios, comuns a todos os outros trabalhadores.
E, finalmente ele aprende e se acostuma a valorizar simplesmente o ordenado, e já não sairá do abrigo infantil à imagem de uma senhorita de internato que não sabe viver e só possui “idéias”. (MAKARENKO, 2012, p. 568-569).

Essa lógica de organização da escola permitiu, assim, promover o empoderamento dos alunos como protagonistas de sua própria história, pois entre sucessos e perdas criaram seu próprio espaço. “Bufando, gemendo, sacudindo as cabeças, eles venciam, honesta – embora mui penosamente – a sempiterna preguiça humana, eles enxergaram na sua frente a mais jubilosa das perspectivas: o valor da personalidade humana.” (MAKARENKO, 2012, p. 571).

Os êxitos se refletiam tanto na parte escolar como na produtiva, essa, principalmente, em atividades agrícolas e de pecuária. O esforço dos colonistas apresentou resultados financeiros, que contribuíram para um fundo de apoio estudantil. Possibilitou, também, o desenvolvimento pessoal, a melhoria nos relacionamentos e a inserção social de cada um, interna e externamente à Colônia.

Essas atividades produtivas eram estruturadas com base em redes de cooperação, acordo e competição. Elas contribuíam para preparar a força de trabalho local, capacitar, ampliar as margens de escolha de áreas de atuação por parte dos educandos, para a sobrevivência do coletivo e gerar a participação política e cultural de forma autônoma.

Makarenko foi um dos primeiros pedagogos soviéticos a disseminar, deliberadamente, a idéia de integrar a atividade das diversas células educativas: escola, família, clube, organização social, comunidade de produção, bairro etc.
Insistiu, particularmente, sobre o papel essencial da escola enquanto centro metodológico e pedagógico que mobiliza as forças educativas mais qualificadas e profissionalmente mais competentes. (FILONOV, 2010, p. 21).

Com essa experiência de organização escolar, ele favoreceu a participação dos educandos na vida social local, a construção de uma nova dinâmica educacional, a superação de antigos problemas pedagógicos. Para tanto, recorria ao planejamento participativo e integrado com o olhar sobre todo o território.

Quanto aos conteúdos escolares, eles eram organizados de forma a abranger atividades físicas, trabalhos manuais, recreação, excursões, aulas de música, idas ao teatro, o trabalho nas oficinas e no campo, pois a escola tinha que permitir o contato dos alunos com a sociedade e com a natureza, oportunidades para vivências do real.

Makarenko dizia que uma nova sociedade deveria se preocupar não com a força de trabalho jovem, mas sim com a formação de pessoas com iniciativa e, sobretudo, com criatividade. Essa idéia certamente baseia-se em um dos postulados maisimportantes da filosofia marxista que, além de dizer que o trabalho criou o homem, afirma também que “ao mudarem as relações de vida entre os homens, suas relações sociais, sua existência social, mudam também suas representações, suas opiniões e suas idéias, em suma, sua consciência...”. (PRESTES, 2012, p. 650-651).

A organização do trabalho coletivo no ambiente escolar se orientava também pela inserção dos alunos em microestruturas ou equipes, os chamados destacamentos. Esses eram geridos coletivamente e por meio da autogestão, mas havia alguém que exercia a função de liderar:

Na produção, o chefe de destacamento deve considerar como seu objetivo básico o cumprimento do plano de produção e o desenvolvimento da iniciativa. Para resolver este problema, o chefe de destacamento deve preocupar-se por todas as esferas decisivas do trabalho como: a iniciativa no trabalho, a disciplina, o fornecimento de materiais, a luta contra a perda de tempo e as faltas no trabalho, a utilização de boas ferramentas, as boas instruções, a organização do local de trabalho, a existência de uniformes aceitáveis, as normas adequadas e uma documentação correta. (FILONOV, 2010, p. 56).

Relatos de Makarenko, em seus livros, revelam detalhes dos processos que utilizou para definir diretrizes e realizar a organização do trabalho pedagógico, para planejar de forma criteriosa e flexível para fazer face às adaptações que a educação requer devido ao seu caráter dialético.

A organização do processo de trabalho envolvia todo o coletivo. Por exemplo, o trabalho produtivo, parte essencial das atividades escolares, era dividido por faixa etária e primava pelo cuidado e a segurança das crianças menores.

Planos de curto, médio e longo prazo foram criados de acordo com as aspirações e potencialidades dos educandos, com a colaboração de diretores, educadores e alunos, estabelecendo metas realísticas para a concretização das atividades propostas e consequente avaliação dos resultados.

O êxito do trabalho coletivo dependia de várias circunstâncias tais como: a técnica pedagógica, a instrução, a organização do local de trabalho, os materiais utilizados, os conteúdos ministrados, o aproveitamento do tempo para a realização dano trabalho, o compromisso com a pontualidade, a qualidade das ferramentas, o material utilizado. Todas as etapas eram planejadas e regidas por normas disciplinares adequadas ao coletivo, no desempenho de suas atividades. Eram, também, documentadas e seguiam padrões.

Conforme Filonov, os órgãos de autogestão eram compostos por assembleia geral, o conselho da coletividade, a comissão sanitária e a comissão financeira. (FILONOV, 2010, p. 36). Mesmo que aparentemente a decisão tomada pudesse parecer não ser a mais correta, somente deveria ser questionada em assembleia geral e registrada por escrito.

As questões tratadas em reunião dos órgãos de autogestão deviam ser imprescindíveis para a execução dos trabalhos e não situações do cotidiano, de simples resolução, solucionáveis administrativamente. Isso, porém, não eximia cada encarregado de prestar contas de suas funções e de ter bem definidas suas responsabilidades.

Na coletividade deve vigorar uma lei rígida segundo a qual ninguém tem direito nem sequer a possibilidade de escarnecer, bazofiar ou exercer violência contra o membro mais fraco da coletividade e ficar impune. Em primeiro lugar, a vítima deve encontrar o apoio obrigatório por parte do seu destacamento ou classe. Por isso é importante manter por muito tempo destacamentos inalteráveis na sua composição. (FILONOV, 2010, p. 67).

As assembleias tinham funções educativas além das propriamente administrativas. Makarenko relata as emoções dos internos ao ouvi-lo falar sobre a vida e a obra do escritor Máximo Gorki. Esse trocava correspondências com alunos da Colônia. Makarenko abria espaço nas assembleias para que todos pudessem conhecer as mensagens desse romancista russo. Tais momentos, segundo ele, estimulavam todos à vida em comunidade, à participação na organização escolar, ao trabalho e à disciplina:

Eu falei aos jovens sobre a vida e obra de Gorki, fiz um relato minucioso. Alguns dos rapazes mais velhos leram trechos da Infância. Os novos colonistas me ouviam com os olhos bem abertos: eles nunca imaginaram que no mundo fosse possível uma vida como aquela. Não me fizeram perguntas nem ficaram emocionados até aquele momento em que Lápot trouxe uma vasta pasta de cartas de Gorki. (MAKARENKO, 2012, p. 570).

Aliada a esses estímulos, Makarenko traz a alegria como um elemento essencial ao desenvolvimento humano, considerando-a um dos objetivos mais importantes do trabalho. Utiliza esse sentimento como um instrumento para lançar perspectivas sobre as possibilidades futuras dos educandos, fortalecer as relações e a união do coletivo.

O ser humano não pode viver no mundo se não tiver pela frente alguma coisa jubilosa. O verdadeiro estímulo da vida humana é a alegria de amanhã. Na técnica pedagógica essa alegria aparece como um dos objetivos mais importantes do trabalho. Em primeiro lugar é preciso organizar essa mesma alegria, convocá-la à vida e colocá-la como uma realidade possível. Em segundo, faz-se mister converter insistentemente os tipos de alegria mais simples em outros mais complexos e humanamente significativos. Por aqui passa uma linha interessante – desde as atividades, as faltas situação primitiva com qualquer pedaço de pão de mel até o mais profundo senso de dever. (MAKARENKO, 2012, p. 569).

Mas ele também estabelecia limites a desejos e vontades dos alunos, a organização dos afazeres diários, a disciplina e consideração pelas necessidades de todo o coletivo, além do planejamento organizacional tendo em vista a sustentabilidade econômico-financeira e a manutenção da Colônia.

Embora os esforços de Makarenko fossem por vezes criticados e apelidados como pedagogia de comandante e parecessem fadados ao fracasso, eles não foram em vão. O uso da palavra destacamento, termo de origem militar que remetia à lembrança da guerra de guerrilhas na Ucrânia, o inspirava e aos seus educandos ao gosto pela lida revolucionária.
Esclarece que “A essência da luta, as contradições de classes para muitos deles eram incompreensíveis e desconhecidas – e isso explicava a razão por que o poder soviético exigia pouco deles e os enviava à colônia.” (MAKARENKO, 2012, p. 205).

Mesmo contrariando opiniões, Makarenko explorou os jogos semiconscientes dos ânimos revolucionários dos educandos ao fazer a divisão deles em destacamentos com atribuições específicas e nomear, para cada um, o comandante responsável, que deveria, conforme as regras estabelecidas ser

[...] um educando fiel aos interesses da instituição, bom aluno, trabalhador de vanguarda, com qualificação mais elevada do que os outros e possuidor de qualidades pessoais tais como: delicadeza, energia, capacidade para dirigir, preocupação pelos menores e honradez. O trabalho do chefe de destacamento é considerado como a tarefa mais responsável e como uma prova de confiança que a direção e a coletividade depositaram nele. (FILONOV, 2010, p. 55-56).

Eram permitidas duas formas de nomear os chefes dos destacamentos: por designação ou por eleição, e todos participavam com raras exceções tanto das funções de trabalho como das de organização. “O sistema dos destacamentos mistos tornava a vida na colônia muito intensa e interessante, de alternância de funções de trabalho e organização de exercício de comando e de subordinação, e de movimentos coletivos e individuais.” (MAKARENKO, 2012, p. 205).

Makarenko não dispunha, inicialmente, de um regimento ou uma constituição que deliberasse sobre a organização e procedimentos a serem adotados. Foi a partir das constantes reuniões e a formação de um conselho de comandantes que os dispositivos que revelados exitosos ganharam forma.

Alunos que possuíam a função de assistente assumiam a responsabilidade de zelar pela classe e organização dos alunos no espaço escolar. Executavam tarefas e cumpriam regras de forma disciplinada conforme se observa abaixo:

a) zelar para que todos os educandos cumpram rigorosamente a ordem do dia, levantem-se à hora estabelecida, não cheguem tarde à mesa, saiam a tempo para o trabalho ou para a escola, cheguem pontualmente à instrução à noite e deitem-se à hora assinalada;

b) zelar pelo estado sanitário do destacamento, que a limpeza se realize a tempo e bem, que os guardas de dia cumpram as suas obrigações, que se mantenha a higiene pessoal e a utilização correta dos banhos, que os educandos andem bem penteados, lavem as mãos antes das refeições. Habituar todos os educandos a conservar tudo limpo, não derrubar nada nem cuspir no chão, não fumar, cortar as unhas dos pés e das mãos, não se deitar nas camas arrumadas, não brincar nas camas etc.;

c) zelar pelos êxitos dos educandos no trabalho escolar, organizar ajuda aos atrasados, manter no destacamento uma ordem que garanta a possibilidade de preparar as tarefas de casa;

d) fazer com que os educandos frequentem clubes e grupos desportivos, leiam jornais e livros, participem na edição do jornal de parede;

e) elevar o nível cultural dos educandos, eliminar do seu vocabulário as palavras grosseiras e os palavrões, regular as relações entre os camaradas, habituá-los a resolver os conflitos sem discussões nem brigas, lutar decididamente contra os mínimos atentados por parte dos mais velhos e mais fortes contra os mais novos e mais fracos;

f) lutar energicamente contra as tendências negativas de certos educandos. Incentivar nos membros do destacamento o respeito pelo trabalho alheio, pelo repouso, pelo sono e pelas atividades de outrem;

g) zelar pela formação no destacamento de agrupamentos e de ligas de amizade, estimular e desenvolver os que sejam proveitosos (desportivos, de radioamadores e outros) e liquidar definitivamente os prejudiciais (antissociais). Interceder pela expulsão dos membros especialmente nocivos do destacamento. (FILONOV, 2010, p. 57-58).

A ORGANIZAÇÃO E A PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS

A organização da escola se fazia com base nas opiniões dos alunos. Tudo era discutido entre eles, os professores e a direção, sempre de forma solidária, em prol do coletivo, de forma socialmente orientada, com apelos ao senso de responsabilidade e ao comprometimento.

Na Comuna Dzerjinski, a organização dos alunos tinha como critério dividir as crianças em grupos com número limitado. Elas eram alojadas em dormitórios e frequentavam o refeitório dentro de uma determinada ordem. No desenvolvimento de suas atividades, levava-se em conta sua idade e seu desenvolvimento, e eram sempre orientadas a compartilhar materiais didáticos e a se disporem a ajudar os colegas com mais dificuldade.

O planejamento das atividades era essencial para que a vida em comunidade desse certo. Ele requeria o estabelecimento de metas e a disciplina a serem cumpridas. O descumprimento de normas implicava em punições desde que isso estivesse estipulado com o consentimento de professores e alunos após discutirem a respeito.

A participação dos alunos abrangia diversas atividades: comemorações de datas importantes, festas ligadas a conquistas e ao cumprimento de metas na produção, em inaugurações entre outras. Eles também participavam de campanhas nacionais.

Em equipes, os alunos executavam tarefas que permitiam organizar e dar sustentação à vida do coletivo. Estavam, portanto, integrados a atividades de diferentes tipos: intelectuais, manuais, sociais, artísticas, produtivas e esportivas tanto no ambiente escolar como fora dele.

Com respeito às assembléias, essas eram consideradas por Makarenko como o coração da coletividade. Fosse geral ou deliberativa, contava com a presença do conselho de comandantes formado por alunos, responsável por, de forma organizada, manter a união, estimular a participação de todos e dar voz a cada um. Realizadas semanalmente, quinzenalmente ou quando houvesse necessidade, na maioria das vezes, muito rápidas, elas se ocupavam das ações que deveriam ser feitas para a resolução de determinados problemas.

Esse conselho de comandantes era eleito pelos alunos. Para concorrer a essas eleições e ter a candidatura aceita era fundamental se submeter às ponderações e considerações do chefe da seção pedagógica composta por membro do corpo docente. Do contrário, deveria apelar aos chefes de destacamentos eleitos pela coletividade, responsáveis pelo acompanhamento dos que fossem eleitos.

As assembleias eram norteadas por normas constantes em regulamento. O processo de deliberação se dava por meio da autogestão, sem a intromissão do diretor ou dos professores, o que possibilitava aos educandos compreender de forma concreta os princípios da construção da sociedade socialista.

Segundo Makarenko, o educando deve vivenciar a experiência de conquistar vitórias, com sua colaboração, mas também de assumir as consequências das derrotas, caso não tenha conseguido desempenhar o seu papel. Mas, apenas a soma das diferentes experiências de sucessos e fracassos poderá auxiliar em sua formação contínua. (FILONOV, 2010, p. 35).

Bons relacionamentos eram esperados e estimulados, pois esses ajudariam a suscitar o interesse pela coletividade e pelo trabalho desenvolvido em grupo, contribuiriam para unir a comunidade escolar e para o comprometimento e envolvimento de todos. Assim, segundo Bordin, o entendimento era de que, 

a unicidade escolar advém da união do seu grupo de alunos, em que sendo bem organizados adquirem força e influenciam todo o processo educativo. O fazer parte da educação desenvolve a fidelidade entre alunos e professores, haja vista que ambos, e em conjunto com a comunidade local, defendem os mesmos interesses, fazendo com que se desencadeie uma luta coletiva para manter o que a todos pertence. (BORDIN, 2010 p. 114).

Reconhecer o esforço individual de cada um e o do coletivo era, também, uma forma de valorizar e promover a auto-estima dos educandos, de enriquecer os momentos de trabalho conjunto e transformá-los em experiência única na construção do conhecimento e do aprendizado, o que implicava em compartilhamentos, a expressão e a participação de todos. (BORDIN 2010).

A máxima “Não são os homens que têm defeitos, mas as relações entre eles”, de Makarenko, consta no seu Poema Pedagógico e expressa bem as bases do pensamento que presidiu toda sua obra. Contrário à concepção inatista, entendia que a revelação da beleza de cada ser humano se faz transformando as relações sociais em laços realmente humanos, de camaradagem, amizade e coletivismo. (BALABANOVITCH, 1980).

Apaixonado pela vida e pelo ser humano, Makarenko revela o segredo de seu contentamento pessoal e profissional ao se lembrar de suas experiências pedagógicas:

Por mais dura que fosse a minha vida naquele tempo era uma vida feliz. É impossível descrever a impressão de felicidade absolutamente excepcional que se experimentava numa sociedade infantil que cresceu conosco, que confia em nós até o fim, que conosco caminha para frente. Numa companhia dessas, até os fracassos não perturbam, mesmo desgostos e dores parecem valores elevados. (MAKARENKO, 2012, p. 622).

Makarenko confessa assim seu sentimento de recompensa: 

Os meus gorkianos também cresceram, espalharam-se por todo o mundo soviético, para mim agora é difícil reuni-los até na imaginação. Como agarrar o engenheiro Zadórov, que se afundou numa das grandiosas obras do Turcomenistão, como mandar chamar Vierchinióv, médico do corpo especial do extremo oriente, ou convidar para um encontro Burún, médico em Iarosláv? Até Nissinov e Zoren, tão garotinhos, até eles voaram embora de mim, vibrando as asas, só que as suas asas já não são aquelas de antes, as delicadas asas da minha simpatia pedagógica, mas as asas de aço dos aviões soviéticos. E Chelapútin não se enganava quando afirmava que seria aviador: piloto de avião é também Chúrka Jevêli, que não quis imitar o irmão mais velho que escolheu o caminho de piloto naval no Ártico. (MAKARENKO, 2012, p. 638).

A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA

Makarenko considera que “[...] a verdadeira essência do trabalho educativo [...]” está “[...] na organização familiar, na organização da vida da criança e no exemplo que se oferece de nossa própria vida pessoal e social.” (MAKARENKO, 1981, p. 24).

Em suas conferências aos pais, orienta: “A importância do jogo na vida da criança é semelhante à da atividade do trabalho ou do emprego na vida do adulto.” (MAKARENKO, 1981, p. 47). Ele divide em três etapas a utilização dos jogos infantis, perpassando por diversos estágios, cada qual exigindo métodos diferentes.

O primeiro é o jogo em casa, a etapa do brinquedo e dura até os cinco, seis anos. Sua característica é que a criança prefere brincar sozinha e, raras vezes, admite a participação de companheiros, afeiçoa-se aos seus brinquedos e brinca com indiferença com os brinquedos alheios. Essa tendência de brincar sozinho não implica em nenhum risco de se tornar egoísta. É a etapa do exercício sensorial e do desenvolvimento das atitudes pessoais. (MAKARENKO, 1981, p. 50).

O segundo estágio é de orientação mais difícil porque as crianças atuam num ambiente social mais amplo, longe da vista dos pais. Prolonga-se até os onze ou doze anos, incluindo parte da escolaridade. Na primeira parte dessa etapa, a criança já age como membro de uma sociedade, mas de uma sociedade ainda infantil, que carece de disciplina severa e controle social. (MAKARENKO, 1981, p. 51).

No terceiro estágio, a criança atua como membro de uma coletividade, não mais limitada somente ao jogo, mas de uma coletividade de trabalho e de estudo. Nessa idade o jogo adquire formas coletivas mais acentuadas e gradativamente converte-se em esporte, ou seja, vincula-se com determinados fins de cultura física e com normas – o mais importante – com conceitos de interesse e disciplina coletivos. (MAKARENKO, 1981, p. 51).

Nesse sentido, os pais deveriam estar atentos a orientar as crianças a criar hábitos, inclusive os culturais, o que não se dá espontaneamente, e a realizar esforços físicos e psíquicos imprescindíveis ao trabalho. Segundo ele,

A formação cultural é eficaz quando organizada conscientemente com um plano, um método adequado e com controle. Deve começar o quanto antes, quando a criança ainda está longe da etapa de leitura, no período de seu desenvolvimento sensorial, quando começou a ouvir com clareza e a balbuciar algumas palavras. (MAKARENKO, 1981, p. 78).

Isso inclui escolher contos que despertem energia e confiança na criança. E, também, ilustrações, gravuras e fotos que possam ajudar a desenvolver a imaginação. Propõe a introdução da leitura de jornais, revistas e livros e a ida ao teatro, cinema, museus e exposições. Tudo isso sempre tendo em consideração a faixa etária e a possibilidade de compreensão da criança.

O incentivo da participação da família nas atividades culturais, recreativas e nas orientações sobre a educação dos filhos também deve ser feito pelas escolas. Para ele os muros que se formam para impedir o acesso das famílias às atividades escolares devem ser demolidos.

Para ele, “[...] o clima cultural da família influi muito no trabalho escolar da criança, na qualidade e intensidade de seu estudo, na formação de relações corretas com os professores, os companheiros e toda a organização escolar.” (MAKARENKO, 1981, p. 80).

Ele investe nos aconselhamentos aos pais por crer que entre a educação familiar e a educação escolar deve haver pontes, diálogos e a busca de sintonias. Essa cooperação facilitaria o processo de aprendizado e o ingresso dos educandos na sociedade e no mundo do trabalho. (MAKARENKO, 1981). Para ele, era inconcebível pensar em educação soviética que não fosse uma educação para o trabalho:

A preparação familiar é justamente a que tem maior importância na qualificação da vida futura do indivíduo. A criança que recebe, no seio da família, uma educação correta, voltada para o trabalho, empreenderá logo, com maiores perspectivas de êxito, sua preparação especializada. E as crianças que não recebem nenhuma educação para o trabalho em seu lar, não poderão alcançar nenhuma qualificação, sofrerão frequentemente fracassos e serão maus trabalhadores, se os estabelecimentos estatais não conseguirem corrigi-los. (MAKARENKO, 1981, p. 59-60).

Ele aborda, assim, questões voltadas para a economia familiar, para a administração dos haveres e bens que não tivessem origem na exploração humana. Nesse sentido, considerava que o patrimônio das famílias “[...] não depende só de seus próprios esforços, mas dos lucros de todo o país, de seus triunfos e êxitos no panorama econômico e cultural.” (MAKARENKO, 1981, p. 66).

Partia do pressuposto de que a preocupação familiar de educar para compreender e participar das questões que envolvem a economia estatal não existe para os educadores da sociedade burguesa. Porém, ele não dissocia esses dois âmbitos: “[...] a economia familiar é um campo propício para educar muitos aspectos do caráter do futuro cidadão administrador.” (MAKARENKO, 1981, p. 68).

Convergem, nesse sentido, o coletivismo, a integridade, a antevisão, a responsabilidade, a capacidade de orientar e de operar. Makarenko ressalta a importância do ambiente familiar assim fundamentado para a compreensão pelos educandos da atividade econômica da família e do trabalho como princípio educativo.

Dessa forma, os filhos devem conhecer onde trabalham os pais e em que consiste seu trabalho, compreender de forma gradativa que o trabalho social é fruto de intensa atividade, ver a fábrica e como se dá seu processo de produção, estar inteirado do orçamento familiar e dos planejamentos necessários na administração dos recursos, tanto em famílias prósperas economicamente como nas de condições módicas.

Makarenko preconiza aos pais infundir a honestidade desde cedo em seus filhos, ter atenção constante às necessidades familiares, compreender que seus atos podem produzir efeitos desagradáveis, observar possíveis problemas existentes, sentir o que acontece ao seu redor, planejar seu tempo para todas suas atividades.

O pedagogo dá orientações específicas e práticas aos pais sobre como atribuir atividades de acordo com as idades, orientar, repreender, ajudar, elogiar, recompensar.

Makarenko argumenta “Quando em nossa fábrica ou estabelecimento produzimos artigos inferiores, envergonhamo-nos deles. Quanta razão a mais teremos para nos sentir envergonhados no momento que produzirmos para sociedade homens deficientes ou maléficos!” (MAKARENKO, 1981, p. 21).

Considera que é mais fácil educar do que reeducar, pois um processo educativo falho e omisso torna a reparação um trabalho árduo, difícil e de imprevisível resultado.

E a tarefa de correção, de reeducação, por si mesma, já não é assunto fácil. Exige esforços, conhecimento e paciência que nem todos os pais possuem. Em determinados casos, a família sente-se impotente para vencer as dificuldades de reeducação e se vê impelida a internar o filho ou a filha numa colônia de trabalho. Já que não pode fazer nada e, em decorrência, o resultado é um homem inadaptado para a vida. (MAKARENKO, 1981, p. 17-18).

Makarenko vê na conduta pessoal dos pais um fator decisivo da educação e alerta que o melhor método educativo é o exemplo que transmitem aos filhos: “[...] é preciso prestar atenção nos próprios defeitos e deixar de lado presunçosos recursos das artimanhas pedagógicas.” (MAKARENKO, 1981, p. 23). Dentre esses artifícios, cita castigos especiais, prêmios extraordinários, fazer galhofas para divertir, anunciar promessas.

Como parte das orientações, Makarenko expõe dez tipos de autoridades distintas para a condução do processo educativo familiar, levando em conta diferenças existentes e principais erros cometidos pelos pais ao buscar a qualquer preço obter a obediência dos filhos.

Dentre os erros que geram falsas autoridades estão o emprego de gritos, intimidações, terror e até da vara para ferir; a crença de que a palavra pessoal se torna sagrada ou lei ao ser proferida; e a transferência da responsabilidade de educar a outros, como os avós ou aos empregados.

Além desses erros, situações que podem parecer inicialmente o modo mais adequado de educar, não raro se transformam em problemas. Como exemplo, Makarenko cita o excesso de carinho, de mimos, de permissividade, o permitir que a amizade exceda os limites e passe a ser desrespeitosa, tentar comprar com presentes e fazer promessas em troca da obediência do filho.

Compatível com o momento e os traços culturais da época, Makarenko considera que a responsabilidade pela educação dos filhos é principalmente da autoridade paterna, que deve instruí-los sobre conhecimentos essenciais para a vida em sociedade e desenvolver nos filhos sentimento cívico.

Nas Conferências, Makarenko deixa clara a distinção entre disciplina, “[...] resultado da educação [...]”, e regime, “[...] meio para realizar [...]”, e que esse varia de acordo com as circunstâncias. (MAKARENKO, 1981, p. 46).

Um tema considerado dos mais difíceis para os educadores se refere à educação sexual. Makarenko associa a sociedade classista à violação dos direitos das mulheres, à convivência forçada e muitas situações humilhantes impostas pelo homem. (MAKARENKO, 1981).

Ele argumenta que a educação sexual correta também coopera para a formação do caráter do futuro homem de família e revela que nesse campo o principal fator também é o exemplo dos pais, “[...] todos os sentimentos que, bem educados desde a primeira infância, constituem o melhor método para formar a atitude para com a mulher [...]”. (MAKARENKO, 1981, p. 92).

Considerando o amor um sentimento profundo e sério, fator decisivo na personalidade moral e política do sujeito, Makarenko exorta: “Os problemas de educação sexual devem ser enfocados com muita calma, sem raciocínios ambíguos.” (MAKARENKO, 1981, p. 90).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resguardadas as devidas diferenças, pode-se traçar um paralelo entre as buscas de Makarenko e as de professores da atualidade, no Brasil, que intentam responder às questões, por vezes também difíceis e adversas, sobre como educar para a sociabilidade.

À semelhança de Makarenko, os professores de hoje se indagam: Como educar adolescentes e jovens responsáveis? Por onde começar? Como trabalhar as questões pedagógicas? Mergulhados em seus pensamentos, muitos deles tentam repensar os relacionamentos com os alunos, desses entre si e com as famílias.

A obra de Makarenko, reconhecida nos cinco continentes, desfruta de imenso respeito e de grande importância especialmente no que concerne a questão das relações interpessoais.

Conforme lembra Filonov (2010, p.11): “Suas numerosas publicações versaram notadamente sobre o homem em um mundo em mutação e sobre as relações indivíduo e sociedade [...]”.

As contribuições de Makarenko estão dentro de um quadro mais amplo da educação social não formal e refletem um exaustivo trabalho de investigação e de intervenções concretas. Ele teve sua consciência social forjada em meio aos combates contra o czarismo, a fome, a miséria, a ausência dos mais elementares direitos sociais, políticos e educacionais.

Nesse contexto buscou transmutar antigas fórmulas e criar novos métodos.

Em busca de procedimentos que levassem, de fato, à valorização do ser humano, incentivou profissionais da educação a enxergar nos educandos seu potencial, sua capacidade de reagir, de assumir novas possibilidades, a dar materialidade ao seu lema: “Não são os homens que têm defeitos, mas as relações entre eles.”

Seu compromisso com a educação ia além dos muros da escola. Para ele, a família tinha um papel preponderante, e, a fim de incluí-la no processo educativo, sensibilizava os pais que ouviam suas conferências e se comprometiam diante de seus apelos para a construção da nova sociedade disposta a extinguir desigualdades e a ofertar oportunidades e condições de vida digna a todos.

Entre sucessos e perdas, Makarenko construiu uma nova dinâmica para a superação de antigos problemas, por meio de um planejamento participativo, obteve êxito não apenas na formação dos alunos, mas também na transformação social do entorno das escolas que criou.

Tornou-se um marco na história da Pedagogia.


REFERÊNCIAS

BALABANOVITCH, E. Prefácio. In: MAKARENKO, A. S. Poema pedagógico (Primeira
Parte). Tradução da edição francesa por M. Rodrigues Martins. Lisboa: Livros Horizonte, 1980. p. 5-15.
BORDIN, J. H. Educação revessa. Prefácio de Avelino da Rosa Oliveira. Pelotas: Ed. UFPEL, 2010.
CASANOVA, R.; PESCE, S. Pédagogues de l’extrême: l’éducabilité à l’épreuve du réel.
Issy-les-Moulineaux: ESF Éditeur, 2011. 199 p.
FILONOV, G. N. Anton Makarenko. Tradução de Ester Buffa. Organização de Carlos Bauer
e Ester Buffa. Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Ed. Massangana, 2010.
FREINET, C. Les invariants pédagogiques. Cannes: Éditions de l’École moderne française, 1964.
JEANNE, Y. Anton Makarenko: un art de savoir s’y prendre. Reliance, v. 3, n. 17, p. 144-150, 2005.
MAKARENKO, A. S. Poema pedagógico (Primeira parte). Tradução da edição francesa por
M. Rodrigues Martins. Lisboa: Livros Horizonte, 1980a.
MAKARENKO, A. S. Poema pedagógico (Segunda parte). Tradução da edição francesa por
M. Rodrigues Martins. Lisboa: Livros Horizonte, 1980b.
MAKARENKO, A. S. Poema pedagógico (Terceira parte). Tradução da edição francesa por
M. Rodrigues Martins. Lisboa: Livros Horizonte, 1980c.
MAKARENKO, A. S. Poema pedagógico. Tradução do original russo de Tatiana Belinsky; posfácio de Zoia Prestes. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. 656 p. (Coleção Leste).
MAKARENKO, A. S. Conferências sobre educação infantil. São Paulo: Moraes, 1981.
PRESTES, Z. Posfácio. In: MAKARENKO, A. Poema pedagógico. Tradução do original russo de Tatiana Belinsky; posfácio de Zoia Prestes. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2012. 656 p. (Coleção Leste).

Notas1

1 Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário Una (UNA).
Professora efetiva da Secretaria da Educação do Estado do Amapá.
2 Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Professora no Centro Universitário Una (UNA).

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